SÃO FRANCISCO

Ele não quis recompensa. Aprendi isso ainda na infância, quando era “morta e viva” dentro da Igreja, obediente à religião da qual eu fazia parte. Participei da capela de São Francisco, na comunidade “Alto da Esperança”, desde a sua construção. Era uma pequena casa que depois de demolida deu lugar à edificação da nossa igrejinha, num trabalho realizado em mutirão.

Quando chegava o final de setembro, iniciavam-se as novenas. Eu queria ir a todas, pois gostava dos rituais, dos cânticos, das ladainhas e, claro, da quermesse que seguia após a celebração.

A diversão era certa: pescaria, jogo do preá, argolas, bingo e, a melhor, o caritó. Numa cartolina eram escritos os nomes das moças das redondezas e sobre eles eram colados coraçõezinhos que no verso traziam o valor para que o rapaz pagasse, simbolizando que aquela felizarda já não estaria mais no caritó. (Talvez muitos não saibam do que estou falando. Ficar no caritó significava ser solteira, ter sido esquecida na prateleira).

Na última noite a festa era bem maior, e contava com um leilão de donativos que a própria comunidade arrecadava para ajudar nas obras da Igreja. “Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três” e batia-se o martelo.

Quando as vozes ecoavam a “Oração de São Francisco” uma emoção me tomava e, ainda hoje, ouvir essa canção me faz muito bem. É uma letra bem reflexiva, embora as pessoas mais cantem do que praticam.

“Ó Mestre, fazei que eu procure mais consolar que ser consolado, compreender que ser compreendido, amar que ser amado, pois é dando que se recebe...”

Minha mãe era devota do Santo, daquelas de ir até Canindé pagar promessa. Segundo ela, foi São Francisco quem curou meu irmão de uma deficiência nos pés. Quando criança, ele tinha o peito do pé virado para baixo e isso dificultava seu desenvolvimento motor. Conseguiu dar os primeiros passos já aos seis anos de idade. E ela dizia que o povo vivia falando para ela ir até a cidade, procurar médicos e botas ortopédicas. Mas não, valeu-se do homem de Assis e das sandalinhas adaptadas que meu pai fabricava e acabou dando certo.

Bom, hoje é dia do Santo e, apesar de não ir à Igreja, não participar da festa, e de estar um tanto confusa quanto à religião, estou emocionada. À parte todos os meus questionamentos, sinto-me extremamente tocada pelas lembranças de quando eu era ingênua e aceitava melhor o que me diziam.

Quero registrar meu respeito a todos os que seguem nesse caminho de fé e devoção, firmes em suas crenças, apoiando-se no Santo para se livrarem do injusto. Não vejo nada de mal nisso.

Até eu, estranhamente, hoje fiz meu pedido ao padroeiro: que ele renove minhas esperanças de dias melhores.

Maria Celça
Enviado por Maria Celça em 04/10/2013
Reeditado em 04/10/2013
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