A Marina É Mais Grande

Morando com os meus pais facilitava e  muito o contato direto entre o meu irmão mais velho, o Frank, e os meus filhos. O meu irmão é um amante declarado da música. Ele sempre respirou, degustou e viveu a música toda hora do dia desde cedo. A vida não poderia ter sido  mais generosa para com ele quando colocou a Aninha na sua vida profissional e depois pessoal.

Aninha trabalhava numa grande rádio de São Paulo junto com seu então marido, Gil. Os dois foram estudar inglês no Roosevelt da Avenida Angélica por causa do trabalho e lá conheceram o Teacher Frank que viria a ser um grande amigo em pouco tempo.

Quando a MTV veio pro Brasil, a Aninha foi um dos  primeiros profissionais contratadas pela emissora e foi por intermediário  dela que o Frank foi trabalhar como tradutor na MTV e por lá teve o imenso prazer de conhecer alguns dos seus ícones, como a Siouxsie, a vocalista da banda britânica 'Siouxsie and The Banshees', e ainda desfrutar de entrevistas com cantores e bandas renomadas que ele idolatrava, como 'Queen' do Freddy Mercury.

A Aninha teve a Marina logo após eu ter dado à luz ao Vinicius. Vamos dizer que os dois viraram amiguinhos logo de cara e quando a Aninha fazia um passeio básico nos fins de semana, ela geralmente convidava o Frank e o Vinnie pra farra ser mais divertida. Depois vieram a Luíza e a Ana Beatrice e a Marina começou a exigir a presença das sobrinhas do Tio Frank pois já não via nenhuma possibilidade da mãe aumentar a família. O jeito era apelar pro Tio Frank e adotar a sobrinhada dele toda.

O que o Frank não fazia para agradar a Marina! Ela era sempre atendida. Maioria das vezes, o Frank levava a Bea, a minha caçula que era fãzona da Marina. O meu irmão não gostava de bancar 'baby-sitter' pra três sobrinhos full-time. Eu entendia o estresse que ele deveria sentir após os passeios com os meus três, mais a Marina e as vezes as sobrinhas Jéssica e Carol. Ele preferia levar apenas a Bea que era mais sossegada, fácil de controlar e a queridinha do titio que vivia a beijá-lo e dizer que ele era o melhor tio do mundo.

A Marina era sempre apresentada como prima a todos e ela também fazia o mesmo em relação aos meus filhos e sobrinhas. A garotada era unida e adorava passar o fim de semana junto. Um filme de terror ou algo da Disney e pipoca com guaraná! Como podíamos errar com esta receita básica e deliciosa! Só mesmo um pouquinho de frio pra fazer todo mundo ficar juntinho embaixo de um edredon pra coisa ficar melhor!

Um sábado, escolheram fazer mais um passeio ao Sesc Pompéia que estava com mais uma programação magnífica pra criançada. Enquanto a Aninha e o Frank conversavam no lounge, as meninas brincavam na ludoteca e corriam pela área de convivência. Num certo momento, a Bea, que contava com seus quatro anos, se perdeu da Marina que tinha sete. Mas a minha filha sabia como proceder numa situação como essa.

Sempre fiz questão em ensinar aos meus filhos como deveriam proceder se acaso ficassem  perdidos. Enfatizei que teriam que ficar calmo pra pedir ajuda, assim seriam entendidos. Explique que ninguém entendia uma criança aos berros e chorando. Ah! E se alguém tentasse tocar neles era pra gritar bem alto e não parar até que eu aparecesse ou a polícia. Até dei apitos às meninas quando elas eram maiorzinhas, por volta de dez anos. Sempre repetia a cartilha do 'Caso Você Fica Perdido'  quando a gente saía num passeio ou programa, principalmente para lugares com muita gente, como o Parque do Ibirapuera, a Bienal do Livro, Estádio do Morumbi, um circo, etc.

A Bea não ficou afobada não. Foi direto pro estande dos 'ACHADOS e PERDIDOS' e se apresentou ao responsável:

- Moço, tô perdida. Pode me ajudar?
- Posso sim. Como você se chama?
- Sou a Bea.
- Oi Bea! Seu nome inteiro é Beatriz?
- Não. Meu nome é Ana Beatrice. Gosto mais de Bea.
- Veio pro Sesc com sua mãe, Bea?
- Não, vim com a Marina.
- Quem é a Marina?
- A Marina é a minha prima.
- Hummmmm .... ela é criança como você?
- Não, a Marina é mais grande .
- Quem mais veio com você e a Marina?
- Meu Tio e a mãe da Marina.
- Como é o nome do seu Tio?
- É Tio.
- Bea, seu tio tem nome, né. Como é o nome dele?
- É só Tio. Chamo ele de Tio. O Vinnie chama ele de Tio. A Lú, a Jéssica, a Carol e a Marina também. É só Tio mesmo.
- Hummmmmm .... Sua avó chama seu tio como?
- De filho.
- Tá .... Como é o nome da mãe da Marina?
- É Tia. Mas a Marina chama ela de mãe.

A Bea era mesmo desligada. Vivia num mundinho só dela. Até hoje ela é assim. O moço deve ter percebido que não adiantaria prosseguir com o interrogatório. A menina não era mesmo chegada em nomes de adultos.

- Ok Bea. Vamos ver o que a gente pode fazer.

O rapaz pegou o microfone e anunciou:
- Marina. Marina que é prima da Ana Beatrice, por favor compareça no 'Achados e Perdidos' por que a Bea ou melhor, a Ana Beatrice, está esperando você aqui no 'Achados e Perdidos'. Por favor, Marina ...

Em menos de cinco minutos, a Marina foi voando pro 'Achados e Perdidos'. Foi logo abraçando a 'Tadinha da Bibia!' e  perguntando se ela estava bem. A Marina parecia estar aliviada ao encontrar a Bea inteira e salva. Logo atrás vinham o Tio  e a Tia.

O Frank agachou para ficar na mesma altura que a sobrinha caçula pra terem uma conversa.  Falou bem mansinho:
- Bea, porque você pediu pro moço chamar a Marina e não o Tio?
- Mas falei seu nome Tio. Mas ele chamou a Marina.

Meu irmão olhou pro rapaz que foi logo respondendo:
- A Bea disse que seu nome era apenas Tio.
E deu aquele sorriso meio que amarelo enquanto o meu irmão olhava bem nos olhos da Bea e disse:
- Bea, meu nome não é Tio. É Frank. Tio Frank. Você sabe, né?
- Sabo não Tio. Lá na casa da Vó todo mundo chama você Tio. O Vinnie, a Lú ...
- Tá Bea. A Vó me chama de Tio, é?
- Não, né! Ela chama você de filho, oras!
- E a Aninha? Porque não falou o nome da Aninha, Bea?
- Que Aninha, Tio?
- A mãe da Marina, pôxa!
- O nome dela é Tia, Tio!
- Tá Bea. Tá bom. Vambora!
- Ainda bem que sei seu nome, né Má? E você veio me buscar. Eu sabia que você vinha me buscar Má. 

A Marina respondeu que sim e acrescentou:
- Sou sua prima, Bea. Quase sua irmã, né? Não ia deixar você perdida. Vamos!

A Marina deu um beijo na testa da Bea e a abraçou. A Bea sentiu protegida com aquele beijo e os braços da Marina ao seu redor. A Marina que era 'mais grande' através dos olhinhos da Bea. Quanta segurança a Marina transmitiu mesmo tendo apenas sete anos de idade. E assim, abraçadinhas, caminharam rumo à saída do Sesc Pompéia.

Esta lembrança eu recordo muito bem  por que a própria Marina relatou inúmeras vezes e a Bea também. O meu irmão também nunca esqueceu. Até hoje ele não consegue entender o por quê da Bea ter chamado pela Marina e não por ele. Eu só pude lhe dizer, "Vai entender o que rola na cabeça de uma criança."

A Bea tinha a Marina mais do que uma amiguinha, mais do que uma prima postiça. A Marina era quase a sua irmã e também 'mais grande' e sabia das coisas. Sabia da Bea!


 
(Em memória da nossa amada trakina Marina 
que foi levada brutalmente dessa vida aos 23 anos de idade
no dia 7 de janeiro de 2009.
Mesmo tendo feito dois Boletins de Ocorrência,
a polícia nada fez para proteger a Marina contra as ameaças contínuas
que vinha recebendo do ex-namorado.
Infelizmente, ninguém protegeu a Marina.
Ela estava sozinha e indefesa naquela noite no seu local de trabalho.
O nosso mundo perdeu um certo colorido e graça
sem a Marina
mas, as lembranças dela
estão bem vivas conosco.
Saudades sempre de você,
Marina. )  
Calada Eu
Enviado por Calada Eu em 02/10/2013
Reeditado em 02/10/2013
Código do texto: T4507764
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