Saudades Gurgurizeiro!

Era um belo domingo em seu final de tarde e uma cor acinzentada aparecia no Céu. Parecia que aquelas nuvens baixas e escuras formando carrancas e desenhos sombrios indicavam uma forte tempestade.

Eu vinha saindo de mais um dia de trabalho e apertei o passo já que eu estava aproveitando para fazer uma caminhada. Olhei mais uma vez para cima e pensei; Como às nuvens agora tinham formas severas, adultas e diferentes do tempo de minha infância. Onde o que a gente via no Céu eram caras de anjos, floquinhos de algodão e tantas formas engraçadas e mágicas sempre de bom humor a nos sorrir.

Pois é. Quando criança tem-se uma imaginação fértil e apenas queremos ver aquilo que nos é interessante, pois não conhecemos ainda a maldade, apenas a inocência e sonhos mirabolantes. Eu confesso que continuo sonhando intensamente porque sem eles (os sonhos) não existiriam vidas, Sonhar é preciso sempre.

Bom. Voltando para minha caminhada para casa eu olhava tudo em volta e aquele silêncio gelava meus ossos e o vazio da cidade era tal qual minha alma estava naquele final de tarde. Andei mais um pouco olhando para as avenidas e nenhum carro ou pessoas passavam por ali. Pode ser que estavam descansando de tantos eventos sociais ou ainda estariam desfrutando do domingo para começarem suas lutas na segundona brava e segui adiante subindo uma rua arfando e desejando que a próxima esquina fosse a minha rua.

Falando em meus pensamentos eu voltei lá para minha cidadezinha no Ceará e lembrei –me da beira do rio da madrinha Rosa (minha avó) da casa velha lá de cima do morro a olhar nossas correrias e- entre risadas marotas, parecia que compreendia e calada aquele casarão branquinho e sorria de nossas molecagens e para nosso viver alegre e sonhador de criança. Continua exuberante no mesmo lugar aquele recanto de tantos sonhos onde sempre voltamos para renovar nossas energias ou para deitarmos em uma redinha e dormir com a brisa do leito do rio a nos embalar, a nos ninar como quando em criança.

Na descida e bem em frente ao casarão existia uma grande e bela árvore por nome Gurgurizeiro com seus pequeninos frutos vermelhinos e doces quando maduros. Lá existia um balanço improvisado com cordas presas aos galhos e quem quisesse por uns minutos sentar e balançar, tinha que pagar para meu tio (Badel agora no Ceú) com folhas qualquer de árvores. Era um lugar mágico para a meninada e para todos os netos que não eram poucos. Família numerosa e vinham outras tantas crianças querendo balançar a sombra do belo Gurgurizeiro que em um bailado e um farfalhar de suas folhas e copa, exuberante acolhia a todos com elegância e formosura. Ali tinha um lugar para banho onde o fundo era arenoso e plano era o encontro da turma do Colégio aos finais de semana com nossos inesquecíveis Piqueniques não no leito do rio, mas, ao lado embaixo daquela árvore copada onde os meninos matavam passarinhos durante uma semana (ainda era permitido) e às meninas faziam a comida em panelas de barro com gravetos secos e tudo era uma delícia.

De repente voltei ao Planeta Terra e já havia passado de minha casa que loucura quando sonhamos de olhos abertos não conseguimos ter noção de onde estamos ou para onde vamos, apenas viajamos o que ainda é possível transpor fronteiras sem pagar pedágios de nada. Sorri e virei três ruas entrando em casa nostálgica.

Ufa! Que mente mirabolante essa minha!

Girei minha chave no portão e entrei ainda sentindo o leve som das folhas do Velho e querido Gurgurizeiro da nossa meninice. Deitei um pouco e respirei fundo em minha redinha na varanda. Coisas de um bom cearense. Bati o pé na mureta da varanda e balancei por algumas horas lembrando e voltei ao mesmo lugar a beira do rio. De repente vieram lembranças tristes daquele lugar onde outrora fora nosso Paraíso. Não mais existia nosso balanço por nome de “Galamar” e tão pouco nosso velho Gurgurizeiro. Que tristeza!

A cada ano que eu voltava ao Ceará e visitava o lugar de tantas pessoas sonharem eu percebia que a pobre árvore pedia socorro ao rio e aos pescadores noturnos que sempre faziam sua fogueira sem baixo e com facões tiravam pedaços de seu tronco para reforçarem suas fogueiras para melhor enxergaram os peixes. Que maldade eu sentia uma dor e uma saudade. Estava morrendo aos poucos nosso amigo e confidente. Voltei lá no ano seguinte e fiz uma foto minha bem ao centro de seu tronco onde havia um buraco queimado pelos maldosos pescadores. Chorei junto a tantos que amavam abraçar aquele baluarte e agora estava tombando e parecia despedir-se de mim. Vou postar essa foto de que vos falei acima do texto para que possam ver e sentirem como o fato é verídico. No ano seguinte eu não fui, felizmente para minha terra e meu irmão o poeta e Filósofo de um sentimento nobre convidou toda à Cidade em uma noite de lua cheia e foram fazer um Luar bem onde apenas existia pequenos fragmentos e o buraco no tronco do velho Gurgurizeiro. Orestes meu irmão fez uma fogueira dos poucos galhos que ficaram e com o coração inspirado e doído declamou um poema dedicado àquela árvore querida e declamou jogando junto aos moradores e cada um jogava um pouco de suas cinzas no não menos admirado rio de nossa infância. Foi um momento triste de muita emoção, mas, de uma grande homenagem aquele nosso recanto e confidente de nossas peraltices.

Por isso eu digo que infelizmente não estive nessa grande homenagem porque sou muito emotiva e talvez eu choraria diante do meu herói Gurgurizeiro. Não. Apenas alegria e boas recordações querem daquela árvore, de nosso balanço e dos piqueniques para repassar aos meus filhos, netos essa foto e que um dia alguém de coração cruel queimou aquela árvore e que o nosso velho rio suavemente conserve em branca espuma suas cinzas, sua vida Gurgurizeiro.

Que viagem maravilhosa! Abri os olhos e já passava das vinte e duas (22;00) horas eu ainda nem havia entrado em casa.

Franca 15/09/2013

Goretti Albuquerque

gorettiistar
Enviado por gorettiistar em 16/09/2013
Reeditado em 26/09/2013
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