Super-Herói

Ele me pôs nos seus joelhos

E de lá eu vi o mundo

Ele me pôs entre o vão das paredes

E me ensinou a ser o Taffarel

Ele se cansou de fazer gol

E inverteu de lado comigo

E me ensinou a ser o Bebeto

Falava que era para bater de chapa e não de bico

Explicava a diferença da chapa e da trivela

Ah que saudade, quanta saudade!

Ele me pôs no seu colo

Para eu tocar o volante e conseguir ver a pista

Ele me ensinou onde era a primeira, a segunda e basta né...

Pra quê mais pra um homenzinho de onze anos?

Ele me punha de lado para me mostrar a altura exata dos pedais

Altura onde a embreagem eliminava o efeito da aceleração

E como um mágico, um super-herói ele detinha o carro de movimentos

Ele fazia isso na rua mais íngreme que possa se imaginar

Eu adorava...

Ele me pôs em sua oficina

E me ensinou um ofício

Ensinou-me a furar, a cortar, a pintar,

O pincel não pode ser de um lado ao outro

Tem ser em movimentos uniformes para ficar bonito

Nunca ficava... ninguém conseguia ganhar aprovação dele

Por que nesse quesito o professor era muito ruim

Ele próprio pintava mal demais

“Pai, quero soldar!”

Maluco menino? Era a resposta

Soldar machuca a vista

Ele não queria isso pra mim

Aprendi a soldar escondido, mesmo com medo de ser pego

Queria dividir com ele a dor nos olhos

E a primeira vez que não dormi de dor nos olhos

Pra quem não tem ideia do que é uma vista queimada

Imaginem que você tem areia nos olhos

E acreditem a dor da areia ao fechar as pálpebras vence qualquer sono

E essa luta te deixa num estado de insanidade

Nunca me esqueço dele cuidando de mim nessa noite

Tenho certeza que ele sentiu orgulho

Vi meu pai assim mais de cem vezes

E era disso que vinham nossas roupas, nossa comida

Nosso material escolar

Fomos criados em três

Eram três listas de material

Não me lembro de ter ido pra escola no primeiro dia de aula sem algum dos itens

Meu pai desenhava pior do que pintava, se é que isso é possível

Então pros clientes grã-finos eu era o desenhista

Mas isso não me ausentava de broncas ou pitacos!

Tinha duas coisas que meu pai era foda

E eu queria muito ser igual

Ele era capaz de levantar um carro (sem exagero)

E a outra era sua habilidade no bilhar

Ele já não era tão bom quando eu me “conheci por gente”

Mas tinha muito nome e respeito dos melhores tacos da região

Eu achava mágico!

Ninguém tinha coragem de enfrenta-lo

E eu ficava com raiva, por que queria vê-lo jogar, jogar sério

Literalmente pra valer

Deus não me proveu de força física

Então me sobrou tentar imitar a segunda habilidade

Fugia da aula atrás desse desejo, porque de dia eu trabalhava com ele

Aprendi a matar e matar muito

Também me tornei respeitado

Como dizem: um dos tacos mais fortes

Mas nunca me realizei com isso

Por que queria ouvir isso dele e não dos outros

Ele não gostava de me ver jogando

Mas eu o entendo...

Subi nos seus joelhos,

Sentei no seu colo,

Queimei minha vista,

Aprendi a arte do bilhar,

Disse-lhe o tanto que lhe amo num poema

Disse que lhe amo no seu ouvido também

Mas parece que foi tão pouco pai

Tão pouco...

Tão pouco...Tão pouco.

Liomac
Enviado por Liomac em 23/08/2013
Código do texto: T4447906
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