Silêncio Sonoro

Silêncio sonoro

Esta é uma história bem antiga e penso que ainda não terminou. Começou quando eu tinha seis anos, lembro muito bem.

Nossa casa simples, guardava dentro dela, além de meus pais, meus cinco irmãos e um primo, também um belo relógio antigo que meu pai comprara da diretora da escola onde trabalhava.

Periodicamente meu pai abria a portinhola de vidro e dava corda. As badaladas eram então o som mais lindo que eu ouvia. Na verdade aquele blem blem blem era música para os meus ouvidos.

Naquele tempo eu ainda não sabia ler as horas mas ouvia as badaladas e elas me diziam se estava amanhecendo, se o leiteiro ia chegar, hora do almoço, hora de ir para a escola, hora da Ave Maria...

Fui crescendo e crescia também dentro de mim um carinho especial pelo relógio e admiração pelo meu pai que além de ser meu heroi me proporcionava aquele deleite.

Um dia comecei a namorar, fiquei noiva, sempre na companhia do relógio, que inclusive avisava meu noivo a hora de se retirar. Depois, casamos, e longe eu já não ouvia as badaladas. O remédio foi acostumar-me sem elas.

Meu pai ficou velho e aos poucos foi perdendo a visão. Percebi então que o relógio perdera a voz.

Lembro que nas visitas que fazia aos dois perguntava à minha mãe:

-Porque ele está parado assim?

Ela tristemente, respondia:

-Acho que ele está velho e cansado.

Um dia meu pai silenciou para sempre e o velho relógio ia ser vendido. Já não tinha serventia naquela casa.

E a criança que morava dentro de mim protestou. Então comprei-o, mandei consertá-lo na antiga Casa Masson. Ele trabalhou um pouco mas as badaladas foram parando, parando, até silenciarem também. Acho que enquanto eu viver vou respeitar o seu silêncio. As mãos mágicas que o mantinham trabalhando ficaram na memória, vivas e sonoras e volta e meia ouço o badalar encantado da minha infância; blem... blem... blem... blem...

Penso que lá no céu o trabalho do meu pai deve ser dar corda nos relógios chamando os anjos para as mais lindas festas.