Como deve ser

Tão linda, tão linda era ela. Sentado de um lado da rua pôde contemplar a mais intrigante criatura vista a olho nu. Seus olhos tinham a profundidade de mil oceanos, sua boca, seu nariz. O que tinha de tão atraente nela ele não sabia, mas por trás de tamanha inocência sentia que uma dia ela se tornaria a mulher ideal pra seus projetos e intentos.

Tão lindo, tão lindo era ele ao olhá-la, ao subir a rua pôde vê-lo sentado na calçada, ela o viu pela primeira vez. Questionava-se, onde já o havia visto antes. Num sonho talvez. Seus cabelos eram tão negros quanto a dor de um coração abandonado e aflito, afligido pela dor e pelos maus tratos da vida. Seus olhos tinham cor de mel, se pudesse beberia-os.

Sua inocência, doçura e timidez não permitiram que sua vontade a levasse pra perto, ele ao mesmo tempo não se atreveu a se aproximar daquela criatura meiga e angelical. Doce, como ela era doce.

Um olhar apenas bastou, tímido, discreto, mas conseguiram perceber com a alma e o coração, não com as incertezas da vida que algo iria acontecer.

As noites de verão faziam com que seu coração inflasse como uma bexiga que está para estourar. Lindas eram aquelas noites, tão felizes, tão vorazes, tão cheias de vida, de energia, de juventude.

Conheceram-se então...

Amigos? Somente amigos de infância? Mais um amigo a correr pela rua, brincar e jogar bola? No fundo sabiam que não. Mas guardavam para si, todo e qualquer pensamento que se passava pelas mentes desvairadas. Quanta imaginação, compartilhada a principio apenas com olhares, sorrisos tímidos, corações acelerados e um diário velho.

Ele era a alegria da rua ! Ela se sentava com as amigas sem ter muito o que fazer, esperando que o portão da casa dele se voltasse para fora de repente, e se despertasse dentro dela a esperança que havia chegado o momento mais esperado de todo o dia, o momento de vê - lo. Mesmo que fosse apenas pra olha-lo passar rapidamente na sua bicicleta vinho pra comprar pão. Esperava durante horas, mas um segundo apenas valia. Bastava um olhar, um sorriso, e um cumprimento rápido pra que se ganhasse o dia.

Lindo, tão lindo...

Brincavam em ruas esburacadas, com bolas murchas, corriam descalços e se sujavam muito, subiam e desciam os escadões, se escondiam atrás dos postes. Sempre juntos mesmo que separados. Eram campeões nas corridas e nos jogos com bolas. Acho que se esforçavam ao estremo apenas pra ficarem até o fim das brincadeiras pra estarem juntos.

Crianças fazem aniversários e mães fazem festas, cheias de docinhos gostosos em cima de mesas coloridas e papel crepom. Dançar ao som de Roberto Carlos? Que ideia? Quem havia pensado nisso? Mas tanto importava a música, tudo que ele queria era ter coragem de tirá-la pra dançar. Meninos de um lado, meninas do outro. Assim foram colocados. Cabeças baixas e olhares cheios de timidez invadiram todos na sala. A luz estava apagada e só conseguíam ver uns aos outros por causa da luz da cozinha. Ela estava sentada na escada. Com esperança talvez, não sei dizer, não acreditava que ele teria coragem. Não iria dançar com ninguém que a convidasse, disso tinha certeza. Já estava preparando os nãos quando viu a sua frente uma mão estendida. Não sabia se ele havia dito alguma coisa pra chamar-lhe a atenção, mas levantou-se rápido como um vento frio e quando deu conta estava com ele no meio da sala, só eles, mais ninguém, sozinhos, juntos.

Lindos, tão lindos...

Assim se seguiu a mais linda história de amor que meus olhos já puderam ver. Quem dera essa história acabasse assim, bela como nos filmes.

Seu corpo inteiro arrepiava-se se com apenas um triscar do indicador ele se achegasse a ela. Beijos, ardentes? Claro que não ! Eram crianças. Contentavam-se com frios na barriga, explosões de felicidade, e vez ou outra seguravam as mãos. Ela tinha impressão de que tudo era pecado e sempre fugia.

Eram pressionados pelos amigos. E isso os divertia. Mas quando estavam juntos ninguém mais existia. Era o mundo ideal. Lindos, perfeitos, apaixonados.

Um dia numa sala qualquer prepararam a armadilha certa. Quase os obrigaram, mas qual deles não queria dançar de novo com o outro? Mesmo que na frente de todos eles. O mundo era um só. A música dizia ao final " Um beijo molhado de luz, sela o nosso amor". Ela sabia que teria que beijá-lo mas não tinha mais medo. Começou a confiar, a se entregar, a se deixar levar pelo amor tão simples e tão sincero que ardia ali dentro. Seus lábios se encontraram apenas uma vez, depois que ele a tomou nos braços, desejou aquela boca atraente mais do que água pura em dias de seca. Mas os lábios apenas se tocaram, aquilo não podia ser chamado de beijo. Ela nem sabia o que fazer. Era ela em seus braços, era ele em seu abraço. A vida poderia ter parado ali, nada mais teria tanta importância. Ao final ela dançou, segura do que fazia, disso ela não tinha medo. Sabia como fazer, como envolver, pelo menos era o que ela pensava. Não o beijou outra vez, mas quis muito.

Como eram lindas as noites de verão e também as de frio. Que importava o clima? Estavam juntos da mesma forma. Até nos dias de chuva se ajuntavam uns com os outros debaixo de toldos, sacadas e portões. Contavam histórias, inventavam sonhos. Até uma casa mal assombrada eles tinham. Só pra eles. Quanta imaginação !

Lindos, tão lindos começaram a cessar quando o anúncio mais triste que ela podia ouvir foi dito a todos. Vou embora ele disse, pra um lugar longe. Ela não tinha entendimento, nem maturidade pra saber o que fazer naqueles findos dias, e não sabia ao certo o que era longe. Ela chorou. Choraria muitíssimas vezes ainda ao longo da vida. Pena ter começado tão cedo.

Ela viu o caminhão de mudança. Sua mãe não queria deixar ela sair de casa, seu coração se apertava com a partida, com a dor, com o lamento. Implorou e se foi. Junto deles ofereceu-lhe um bonequinho de neve pra que nunca se esquecesse dela, como se isso fosse possível. O abraçou forte, muito forte. Como era real, como era lindo, como era verdadeiro, como era sincero.

A vida faz essas coisas, e num estranhamento caótico nos vemos aniquilados, destinados a viver o que não queremos. Nos esquecemos de viver o presente, depois nos lamentamos por não termos vivido o passado. Eles viveram, e não precisaram de nada, apenas de uma rua plana cheia de crianças simples.

A história deles não acaba assim de forma tão cliché. Histórias de amor de infância que acabam com a partida de um dos dois. Quem nunca ouviu isso?

Estranho, era como se aquele fosse o último abraço. Se despediu. E fez seu coração acreditar que tudo tinha acabado, ali naquele abraço e naquela carta de amor que ela havia escrito. No outro dia ela o desprezou. Ele se esforçava pra vê-la nos fins de semana e nas férias mas ela o desprezava, se escondia em casa quando ele aparecia na rua. E ficava espiando de longe ele jogar bola. Quando ele ligava em sua casa fingia estar dormindo. E num Ano Novo, fingiu estar doente. Queria vê-lo, como queria mas escondeu-se. Ela sabia o quanto a dor da partida doía e ardia em seu peito, já havia sido abandonada antes. Por que ele voltou? Não podia ter voltado ela pensava.

Ele se decepcionou e se foi.

Seguiram suas vidas por alguns anos, viveram suas experiências trágicas de romances bem elaborados por mentes imaginativas mas nada sinceras. Ela pensou que seria fácil, que de repente aconteceria de novo, que tudo ficaria bem. Mas nada era como ele, nada tinha cheiro,

gosto ou ardia como aquelas noites. Ninguém tinha uma bicicleta vinho tão linda. Ela fazia falta pra ele, queria ver seus cabelos soltos ao vento outra vez.

Ele teve coragem e foi ao seu encontro. Adolescentes agora, prontos pra um relacionamento maduro é o que pensavam, mas não. Ele disse que iria no Natal, mais um desprezo, não foi. Recebeu flores no dia 24 de Dezembro, quanta expectativa, pensou que ele estava brincando, pensou que ele iria, mas as flores eram de outro. Que tristeza. Ele não pôde ir mas ela não entendia. Ele quis ir ao cinema, ela aceitou mas depois desistiu. Ela o amava tanto que nem conseguia acreditar. Conversaram horas ao telefone. Ele disse inúmeras vezes aquele "Eu te amo" que pra ele era tão sincero e pra ela tão desconfiada, não sabia se eram diamantes ou só uma imitação barata. Outra vez sem saber dizer como, por mais alguns anos, ele se foi.

Ele nunca mais sofreria por uma mulher, estava se tornando um homem. Frio por fora e talvez por dentro, como todos são. Casar-se com outra? Qual o problema? Ela não o quis mesmo. Ele se foi outra vez mas vai voltar ela pensava, ele sempre volta.

Num dia qualquer ela recebeu a estranha notícia de que ele havia feito seus votos matrimoniais. Ele não podia ter feito isso sem consultá-la, sem dar a ela o direito de impedir. Mas ele o fez. De tamanho impulso. Sim, ele disse sim. Como ele pôde? Não era ela. Não era sua menina. Não tinha olhos penetrantes. Não era como as noites quentes.

A vida sempre castiga a gente, fazendo com que não acreditemos mais no sincero, no puro e no real. Sejamos como crianças então. Não deixemos que as amarguras da vida não destruam. Destruam nossos sonhos de felicidade perfeita ao lado de quem amamos.

Dessa vez ele realmente se foi, definitivamente se foi. E mesmo que queira não pode voltar. Suas responsabilidades de pai de família não permitem, mesmo que ele queira. Tentou uma vez, pois ainda a amava.

Mas o que é ligado na Terra é ligado nos Céus.

Adultos agora...

Tristes, tão tristes...

Quem sabe num futuro próximo finalmente inventem a máquina do tempo. Assim poderiam escrever uma história um pouco menos triste do que essa. Na vida real não existem muitos finais felizes. Mas existe a esperança de que um dia, mesmo que seja impossível, ele possa tomá-la nos braços de novo e sentir seu coração bater tão rápido quanto os olhos dela eram capazes de piscar.

Para J.J.J o único homem que eu amei e foi capaz de me amar !!

Laís de Almeida

Laís de Almeida
Enviado por Laís de Almeida em 07/08/2013
Reeditado em 07/08/2013
Código do texto: T4424302
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.