Sobre mães, filhos, histórias e memória das histórias

(Vicência Jaguaribe)

12/05/2013

Parabenizo e homenageio as mães, as boas mães. As mães que, sem se escravizarem, sem perder a personalidade, amam os filhos, e os orientam, e os educam para a vida, para o mundo. Aquelas mães que dão aos seus rebentos oportunidade de ser pessoas melhores, de escolher o próprio caminho, de eleger uma profissão por meio da qual se realizem. As mães que orientam sem despersonalizar.

Parabenizo e homenageio as mães que sabem ensinar respeito e delicadeza aos filhos. Coisas como abrir e segurar a porta do elevador para alguém entrar. Coisas como ceder a cadeira a uma pessoa mais velha. Coisas como esperar que as pessoas saiam de um recinto, para poder nele entrar. Coisas como não mexer no que é dos outros sem a ordem do dono. Coisas simples e pequenas assim, mas que ajudam a formar e sensibilizam.

Parabenizo e homenageio as mães que sabem extrair do caos em que vivemos pequenos pedaços de beleza, de emoção, de sensibilidade e ajudam os filhos a apreciá-los. Que incentivam os filhos a descobrir a beleza de uma rosa se abrindo, de um colibri voejando sobre uma flor. A perceber o milagre que existe no nascer de um arbusto entre pedras; no imprevisível despontar de uma flor rasgando o asfalto; no renascer do sol todos os dias; no incansável movimento das ondas do mar; no vento que sopra sobre nossas vidas.

Parabenizo e homenageio as mães que ensinam os filhos a respeitar os outros e, em especial, aqueles que lhe são subordinados. A ter paciência com os velhos e suas histórias repetidas e suas perguntas recorrentes.

Parabenizo e homenageio as mães que levam os filhos a admirar a arte produzida pela natureza e pelo homem. A ver mais beleza em uma estátua de Miguel Ângelo, em uma tela de Leonardo da Vinci, de Van Gogh, de Degas, de Manet do que em um carro de luxo. A sentir prazer em ouvir uma sinfonia de Beethoven, um Noturno de Chopin, uma Bachiana de Vila Lobos. Ou um bom samba de Ataulfo Alves ou de Paulinho da Viola. A encantar-se com os versos de Cecília Meireles, de Manuel Bandeira, de Carlos Drummond de Andrade. A viajar nas aventuras de Monteiro Lobato, na filosofia de Machado de Assis, na sensibilidade de Lygia Fagundes Telles, por exemplo.

Parabenizo e homenageio as mães que sabem fazer germinar nos filhos o gosto pela beleza/bondade para que pratiquem ações que os identifiquem como verdadeiros seres humanos.

Parabenizo e homenageio, enfim, as mães que guardam na lembrança as situações engraçadas ou curiosas protagonizadas por suas crianças. As mães que conseguem ser o álbum de memória dos filhos pequenos.

Dia das Mães! Quando se fala de mães, naturalmente se fala de filhos. E fala-se de crianças. Todos os filhos são ou já foram crianças. E para as mães, na realidade, os filhos não crescem, são sempre os seus pequenos. Por isso, neste dia em que se homenageiam as mães, contemos algumas pequenas histórias que elas guardam na memória, cujos protagonistas são os filhos crianças.

Esta teve como personagem principal meu sobrinho-neto de dois anos e meio. Certo dia, quando a mãe, minha sobrinha, chegava do trabalho, ele foi ao seu encontro:

— Mãe, eu bati na Nine (a babá Aline).

E a mãe reagiu:

— Você não devia ter feito isso. Isso é errado. Ninguém pode bater nos outros. Se fizer isso de novo, vai ficar de castigo.

E o pingo de gente volta a falar:

— Eu belisquei.

— Está errado do mesmo jeito. Não faça de novo. Se fizer, vai ganhar umas palmadas.

— Eu empurrei.

Minha sobrinha, tentando disfarçar, não resistiu e começou a rir.

Nesta cena impressionam a consciência do erro em uma criança de menos de três anos e sua capacidade de construir uma gradação cujos termos vão indicando a diminuição da gravidade do delito. Essas crianças de hoje!

Esta se deu com uma amiga e seu sobrinho. Ela tentava banhar o projeto de gente, que tinha talvez quatro anos. O menino resistia à água do chuveiro, mas a tia não desistia: prendia-lhe os braços, enquanto ensaboava-lhe a cabeça. Forçava-o a passar o sabonete nas pernas. Finalmente, toda molhada, a tia viu sua missão cumprida. Quando se preparava para enxugá-lo, eis que ele a olha:

— Mas você é persistente, não é?

Ora, persistente não é uma palavra que costuma constar no vocabulário infantil. Mas o menino empregou-a com correção, em um contexto apropriado.

Esta se passou com meu irmão mais novo. Foi na época em que lançaram o comprimido “apracur”, recomendado para gripe. Meu irmão, com seis ou sete anos, negava-se a pronunciar a palavra completa. Um dia, fez a pergunta a nossa mãe:

— Mamãe, aqui em casa tem aprá?

E mamãe, surpresa:

— Tem o que, menino?

— Aprá, aquele remédio pra gripe.

Mamãe deu uma gargalhada:

— Ah! Você quer dizer apracur, não é?

O menino associava a última sílaba da palavra apracur... Vocês sabem a que, não sabem? E possivelmente achava que poderia ser repreendido ou mesmo catigado pela audácia de pronunciar um “nome feio”.

Esta ocorreu na casa de meus pais, quando éramos pequenos. Morava conosco uma senhora chamada Nicácia, que ajudou a nos criar. Tinha uma predileção especial por meu irmão, o terceiro em uma série de seis, mais novo do que eu quatro anos. Para a Nicácia, tudo fazia mal. O menino não podia andar no sol nem no sereno; não podia brincar na rua; não podia tomar banho de chuva; não podia comer determinadas frutas; e por aí iam as proibições. Um dia, por volta dos seis anos, ele se viu tão oprimido que aprontou uma cena pra lá de dramática: ficou em frente à geladeira, que naquele tempo funcionava com gás, abriu os braços e soltou:

— Explode, geladeira, explode, que eu quero ver o que a Cace (era assim que ele chamava a Nicácia) faz.

O que pensarão as crianças criadas com proibições além da conta? Meu irmão chegou a uma atitude extrema. Foi como se desse um grito pedindo liberdade.

Contava minha tia uma história muito engraçada protagonizada por seu filho mais velho, o José. Um amigo da família pediu que ele fosse ao mercado comprar alguma coisa. Digamos, umas bananas:

— José vá ao mercado e compre uma palma de banana. Fique com o troco e compre uma cocada pra você.

E entregou ao menino o dinheiro. O tempo foi passando: 15min e nada de José; 30min e nada de José; 1h e nada de José. O homem, intrigado, resolveu procurá-lo. Encontrou-o perto do mercado jogando cabiçulinha:

— José, onde estão as bananas que mandei você comprar?

— Num tinha banana, não.

— Então, me devolva o dinheiro.

— Num tem mais dinheiro, não. Num tinha banana, eu comprei duas totada e comi (ele tinha dificuldade de pronunciar certas palavras).

Este mesmo José foi passar um dia na casa de pessoas amigas da família, em um povoado cortado por um braço de rio. À noite, ao voltar para casa, disse à avó:

— Vovó, lá tinha tanto tonsoio de viúva! (Consolo de viúva era um pequeno peixe pescado nas águas que passavam pelo povoado.)

A avó, que era viúva, queixou-se:

— Por que você não trouxe uns pra mim?

— Tinha bem poutinho!

Pois é, por tudo isso, por ser a memória da infância dos filhos e por fazer coisas pequenas e simples, mas que decidem os caminhos da vida de uma pessoa, eu, que não sou mãe, mas tive mãe — aliás, duas mães —, parabenizo e homenageio as mães, no Dia das Mães.

Vicência Jaguaribe
Enviado por Vicência Jaguaribe em 11/05/2013
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