El Ingenioso Hidalgo Don José de la Portela

Num vilarejo perdido no cume das distantes montanhas do Reino Esquecido de Miguel Pereira, vivia um fidalgo que diuturnamente se dedicava à laboriosa tarefa de medicar notebooks enfermos e ressuscitar computadores mortos. Conquanto seu mister não o desgostasse, o jovem, dado a leituras de livros de cavalaria revolucionária e farto dos desmandos e tiranias de Sua Majestade, o Rei Rói, e dos seus sectários, que se autodenominavam Os Cavaleiros da Távola Quadrada e cujo lema não deixava dúvidas quanto ao modelo -dito democrático - governamental adotado: "farinha pouca, meu pirão primeiro.", decidiu agir. Imbuído do espírito guerreiro dos seus antepassados, limpou, com escova de aço e kaol, a ferrugem da velha armadura do seu finado avô, lançou mão da faca de churrasco à guisa de espada, a tampa da lixeira lhe serviu de escudo, da velha piaçava fez sua lança e assim, devidamente paramentado, montou seu Rocinante VW Fusca 1973 que reunía a força de 1300 cavalos em apenas um, e partiu para a guerra, em nome de sua musa, a combalida, rota mas inda bela Democracia del Toboso. Alguns diziam-no louco, outros faziam troça, chamavam-no O Cavaleiro da Triste Figura, ninguém acreditava nele. Mas Don José de la Portela era brasileiro, miguelense, portelense, intrépido, sagaz, indômito, amava sua cidade e sua família (o adesivo no vidro traseiro de Rocinante clamava em caixa alta esse apreço) e não desistia jamais. Poucas luas após o início de sua aventura, a Providência, que assiste os homens de coração bom e caráter retilíneo, ofereceu ao desacreditado cavaleiro a oportunidade de mostrar a todos - nobres e plebeus - seu enorme valor. Pairavam sobre a reluzente coroa de Sua Majestade graves suspeitas de mau uso do erário real na contratação de carroças destinadas a recolher o lixo feudal, falava-se em favorecimento ilegal ao suserano de um reino vizinho. O Povo clamava por esclarecimentos. Foi marcada, então, uma assembleia na qual decidir-se-ia quanto à instauração de procedimento investigatório em desfavor do monarca. O Povo acorreu em massa e lotou a audiência, gritando palavras de ordem. A vassalagem não destoou nem surpreendeu, vassalo é vassalo. A grande surpresa ficou a cargo de nosso intimorato fidalgo que, malgrado as severas ameaças - que incluiam degredo, bastilha e guilhotina - proferidas pela Ordem dos Cavaleiros Encarnados, à qual era filiado, votou, em meio a lágrimas profusas e reminiscências das façanhas do avô, o Duque del Futurista, e para desgosto do Monarca e seus asseclas, a favor do investigatório. A turba foi ao delírio. O outrora chacoteado Cavaleiro da Triste Figura foi carregado nos ombros pelos populares, heroi merecidamente aclamado cujo novo cognome condiz melhor ao seu brio, à sua coragem e caráter: O Cavaleiro da Esperança. O final da novela ainda está por contar, todavia, uma coisa é certa: não há mais bobo de bobeira no Reino de Miguel Pereira.

Carlos Cruz - 19/04/2013