Saudade, Saudade, Saudade...
Hoje amanheci cheio de saudade, dessas que doem gostoso, rasgam e dilaceram o já fraco e sofrido coração, dessas que a gente pensa que não vai aguentar e que nos fazem chorar rindo ou rir chorando.
Ai que saudade! Saudade dos meus 5 anos, quando o meu pai me levava para passear no mato, pra bater nas plantinhas dizendo: “fecha as portas ‘maliça’ o teu pai já foi pra missa”, então ficávamos vendo as folhas se fechando e também as flores desabrochando.
Saudade de vê-lo chegar do trabalho, de macacão azul, às 5h da tarde, com uma marmita na mão direita e chamando por mamãe: “DOICA, DOICA”.
Saudade da minha primeira escola, da professora Ivanize, (cuja mãe se chamava Almerinda). saudade de ver, da ponte do arraial, o rio cheio de lavadeira lavando roupas de ganho (nesse tempo o rio tinha até água!).
Saudade de uma roupinha de marinheiro que eu tinha; do barbeiro (seu Silvio) que cortava o meu cabelo ao pé da ponte do arraial; saudade das plantações que eu fazia no quintal da minha casa, em Vila Rica, tinha cana-de-açúcar, verduras, plantas ornamentais, etc.
Saudade da Rua Padre Roma, do cacimbão esborrando toda noite, do pé de jasmim, lá em frente de casa, perfumando a rua toda; saudade de seu Francisco tocando uma velha sanfona que só fazia uma nota: “fon-fon, fon-fono”, isso até à meia-noite.
Saudade das brincadeiras de pipa, peão, amarelinha, pega-pega... saudade do pé de fruta-pão no quintal da casa, n° 315 da rua Padre Roma; saudade da quarta serie e da professora dona Siene; da primeira bicicleta (Monark), comprada de segunda mão, com o dinheiro do bolsa-escola, a um amigo chamado “Pequeno” (que morreu meses depois com problemas no baço).
Saudade da galinha guisada que minha mãe fazia, do cuscuz com charque picadinha no aguidal de barro, pra agente lanchar às 3h da tarde, todos nós juntos na cozinha da casa, era uma delicia.
Saudade do meu primeiro rádio portátil, eu desfilava na rua central de Jaboatão, à noite, com ele no ouvido, só para me exibir.
Que saudade da minha avó materna, alta, olhos bem claros, cabelos compridos, que reclamava quando no almoço não se colocava muita carne pra ela. Muitas saudades das histórias do século XIX, que ela, puxando pela mente, nos contava. Saudade de quando ela, já com seus noventa e poucos anos, orava pedindo a Deus para lhe curar, e eu, pela brecha do tijolo, respondia, querendo me passar por Deus: “Vou te curar mulher”, deixando-a toda feliz.
Muita saudade da década de 60, Roberto Carlos com o seu modismo calça Saint Tropez, boca de sino, cabelos longos, sapato cavalo de aço e bengalinha preta na mão (e tudo isso eu usava). Saudade de Wandarleya, Erasmo Carlos e de toda Jovem Guarda.
Que saudade da enchente de 65, que deixou um peixe de aproximadamente 1kg preso em uma poça de água na frente da minha casa, na rua Alice Azevedo.
Saudade das bananas que eu roubava atrás da fabrica de papel, juntamente com Dima, Junior, Beto, etc.; das pescarias no rio da fábrica, do Ginásio Industrial.
Saudade dos dias de feira, em que eu acordava às 4h da manhã, negociava com Dima e papai, vendia cereal, cortava fardos de charque, comia doce com ki-suco, chamava os fregueses pra comprar feijão, farinha, carne, etc.
Saudade das poesias que eu fazia; ah, que saudade disso tudo, daria tudo que tenho pra voltar nesse tempo, ao menos por um dia.
Ah, meu pai, porque o senhor não vem, mesmo que seja só um dia (veja se da um jeitinho), e anda comigo pegando na minha mão, me mostrando de novo os matos, as flores desabrochando, e me ensinando as coisas da vida. Porque o senhor se foi tão cedo e me deixou com esta lacuna tão grande? Precisando aprender ainda tanta coisa da vida! Que saudade da minha mãe! Quem me dera, mamãe, você fazer de novo um cuscuz daquele, às 3 da tarde no aguidal de barro, na cozinha da casa, para comermos juntos e conversarmos. Tenho muito que te dizer, segredos que ninguém merece saber, só você, que sempre guardou os meus.
Gostaria de ser adulto, mas nunca consegui. Quando penso em vocês, papai e mamãe, que saudade é essa? Saudade, saudade, saudade.