MÃE

Na tarde de 31 de março de 2013 – Domingo de Páscoa

Mãe

somos muito diferentes

mas, nunca te abandonarei.

Falamos línguas diversas

e além de não nos ouvirmos

raramente compreendemos

uma o que a outra diz

mas, nunca te abandonarei.

Mais do que minha mãe

tens sido minha filha

desde sempre

por isso, nunca te abandonarei.

Abandonei minha vida

abandonei a mim mesma

por amor, por covardia,

por acomodação,

eu, que podia ter partido

quando era tempo de partir

quando para isso havia algum direito

eu o sei

e também, e principalmente,

porque nunca deixei-me

de ser labirinto

como Mário de Sá-Carneiro

como Fernando Pessoa

mas, mãe, mesmo eu me tendo abandonado,

nunca te abandonarei.

Quem sabe, mãe, eu ainda venha a achar-me

mas, achando-me ou não,

nunca te abandonarei.

Carregada, embora, de pavores e de culpas,

de muitas das quais sequer compreendo as causas

frágil como folha ao vento

ou pedra desde sempre imóvel diante do Tempo

ainda assim, mãe,

nunca te abandonarei.

Incompreendida embora, e incompreendendo,

fico, mãe, aqui,

com minhas pernas e vontade fragílimas

eu que tenho ficado sempre, mãe.

Nunca te abandonarei.

Que o Deus ressuscitado

me reabasteça, mãe,

para que eu te possa ser útil

mais do que tenho sido, mãe.

Que Ele me outorgue a Graça do Perdão

de Perdoar

de ser Perdoada, mãe,

A Graça do Perdão outorgado e recebido, mãe,

para que eu me possa salvar de mim em mim, mãe,

para que, não te abandonando

ainda possa, eu, vir a achar-me também, mãe,

e achando-me,

e ousando desejar-me ainda, algo,

não volte mais a perder-me de mim, mãe.

Eu, ainda de volta a mim.

Eu, que nunca te abandonei.

Eu, que nunca te abandonarei, minha mãe.

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