MARECHAL DA BRONCA
E tu, que tinhas tantas histórias para contar
E contou-as tantas vezes,
Não teve ninguém para te contar
Publicamente...
Para repetir tuas proezas
De quando o braço era forte
E o remo era escravo de teus movimentos...
Para desenhar tuas cenas
De quando o punho era cerrado
E a valentia, num rompante, acionada...
Para retratar teu trabalho
De quando, Marechal da Bronca,
Punha ordem na seção de trabalho,
Cada qual na sua função e horário...
Para imitar teu assobio
Quando, com energia,
Chamavas as filhas pra dentro de casa
E, não raro, esbravejavas...
Para te pintar um retrato, em traje social,
Terno, gravata, colete, pretos sapatos,
Guarda-chuva a postos
E o inseparável chapéu...
Para te filmar, menino solto!,
Camisa de meia, calção de banho, sandálias
E um sombreiro de palha,
Singrando as areias de Santos,
Passo firme, compassado,
Quatro quilômetros diários,
Braçadas fundas nas ondas,
Já quase aos oitenta anos...
Ah, velho marechal ,
Com que brilho, no anil dos olhos,
E ênfase e graça e fé
Contavas os tantos milagres
Dos santos que te valeram,
Das vezes em que renasceste....
Santo Antônio,
Nossa Senhora do Monte,
Virgem Santa da Cabeça.
Ah, com que alegria tão tua
Chegavas à janela superior da casa
E disparavas um tiro de revólver,
À exata meia-noite,
Saudando o Ano-Bom!
Ah, querido avô,
Proseador incomparável,
Tão impaciente,
Tão turrão,
Tão morrinha,
Herança dos tempos dos tostões minguados...
A franqueza que machucava,
As discussões esquentadas,
Os pensamentos radicais,
Os sentimentos pontuais...
Não cria no amor humano.
Amor, só o de Cristo.
Ah, velho Marechal Floriano,
Não Peixoto, mas também de Ferro,
Que falta ainda nos fazes!
Nas reuniões da família,
Nos braços dos que te amavam,
Nas memórias de minha mãe,
No contato com teus bisnetos,
Sempre disposto a falar,
Sempre disposto a cantar,
Sempre disposto a dançar,
Ágil, faceiro, divertido
E ao mesmo tempo tão severo.
Quantas saudades de ti!
Hoje és fotografias
Que respiram nos álbuns,
Gestos guardados nos vídeos,
Um passo livre no ar,
Uma pegada nas nuvens...
Leve onda no mar,
De onde o olhar marcante
Ainda nos observa e inspira.
Para FLORIANO DA SILVEIRA MENEZES, meu avô materno, que partiu há quase 25 anos e continua vivo nos meus dias.