O CORAÇÃO DAS RUAS...

À alguém que desconheço...

Naquele dia, trabalhara bem mais do que o muito habitual.

Era uma mulher de boa fé!

Jamais se preocupara em trancar os seus pertences no seu local de trabalho, pois tal ato significaria trancafiar-se a si mesma!Que paradoxo...

Seria como se precaver de ser apunhalada pelas costas dentro da própria casa.

Tanto corre-corre, agitação, emergências, longas ausências da sua sala, enfim, questões mais nobres a serem providenciadas e resolvidas, do que a de escoltar os seus pertences.

Mas, já no final do expediente,no término do agitado dia, abriu distraidamente a bolsa para sacar o dinheiro do estacionamento, e espantosamente percebeu que havia sido furtada.

Pronto, simplesmente acabara de inexistir!

Sequer conseguiria provar que aquele carro lhe pertencia.

Fez ligeiramente um inventário do que levava na carteira, mas lembrou-se apenas do trivial, daqueles documentos que obrigatoriamente carregamos conosco, para provarmos o que e quem somos...

Assim, passou boa parte do restante da noite ao telefone, tomando as medidas preventivas de praxe, e deixando o boletim de ocorrência para o dia seguinte.

Na delegacia, o delegado sugeriu para que esperasse um pouquinho mais, posto que os documentos poderiam reaparecer.Não acreditou na possibilidade.

Afinal, qual milagre poderia lhe devolver a paz de ver sua identidade resgatada , após tê-la perdido numa cidade de dezoito milhões de habitantes?

Tão logo concluia, o milagre soou pelo celular.

-Alô, como? Não é possível! Deve ser uma cilada!

Até voltou a delegacia para expor o ocorrido ao delegado, temerosa de tratar-se de alguma coisa "mal contada", pois sua carteira havia sido encontrada no meio fio duma grande avenida e gentilmente devolvida no seu outro local de trabalho, a vinte quilômetros do local do furto.

-Olha, sou morador de rua, mas não sou ladrão não, viu gente? Eu apenas encontrei a carteira com este crachá aqui, no meio do papelão que reciclo nas calçadas e vim devolver, pois sei muito bem da dor de cabeça que é perder todos estes documentos...

Afora o dinheiro, tudo estava absolutamente intacto!

E assim, diante de tantos fatos hediondos gerados pela desumanidade das grandes cidades, ela ainda pode milagrosamente auscultar o digno e consciente

pulsar do coração das ruas...