NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA ANITA

Ei-la que chega...
Sinto seu cheiro...
Tem o sabor em aquarela, de tonalidades em fossilização de cores.

Sinto-a invadindo o espaço antes compacto, altiva sobre o cavalo que arfa e saltita...

Ei-la... Senhora do Sul, heroína dos pampas,
que a trote galopa dentre a multidão aberta de par em par.
Ei-la que surge, guerreira garbosa com dedo em riste,
ginete de si mesma, examinando o que sobrou da tropa,
farrapos da guerra, que altivos ainda não descansaram.

Surgem como efeito de cascata, ao som de relinchos e o trotear mais manso
dos que restaram, enfileirados ombro a ombro.
Anita, com os cabelos esvoaçantes, acalmando os ânimos,
empunhando uma bandeira tremulando,
como se trouxesse embalada a sua própria criança nos braços.
Como é altiva, a Sra. Garibaldi!
Camuflada, adentra os pavilhões abertos do sul,
daquele que deveria ter amanhecido um outro país.
Nem distinguimos onde começam seus cabelos,
ou onde termina o fio da sanga que saciou a sede dos homens,
bravos gaúchos de bombacha, com  remendos nos chiripas...
São os heróis das lutas em glória e inglória.
Em um breve aceno de gratidão, Anita vai desfazendo a tropa,
numa missão quase cumprida, desguarnecida.
Eles vão se misturando as matizes das fortificações,
cobertas de musgo, tatuando as paredes virando história escrita com sangue vermelho, azul, amarelo estampado no bordado doslenços fiados pior tantas mãos calejadas e anônimas.
Em silêncio fúnebre, Anita observa, catando com os olhos,
 As lágrimas que escondeu nas grandes batalhas.
Nem sabe qual parte do homem e da mulher sobreviveram nela,
Pois, depois de grandes batalhas, nunca mais se pertenceu.
 A guerra é finda, hora de recolher os mortos e deixá-los a sombra do velho casarão.
Os que restaram não sabem fazer outra coisa além de reunir exércitos e lutar.

Alguns preferem voltar pra as trincheiras, fechar os olhos, calar.
Os demais vão entrando pelas frestas, infiltrando-se pelos poros da terra de chão batido,
subindo nas árvores deixando pegadas em formato de cheiro verde, viram retrato.
Transformam-se outros, no amargo doce da esperança que misturado a água da chaleira,
chia e canta o hino do Gaúcho e Catarina na roda de chimarrão.
Merece Anita matear um chimarrão sozinha, sem Garibaldi, sem seus nobres.
Assiste ela, imponente toda a tropa virar história e ir morar em livro.

Deixa à minha incumbência, biografa dos fortes, para que conte os causos.
Pede que eu narre, todo amor de mulher que poderia ter sido escrito pela poetisa Anita por Garibaldi, caso tivesse tido tempo de ser poetisa.
 Mas, ela se perdeu nos estalidos

das balas perdidas, guerreando longe do papel e da pena, usado pela narradora que só anotava.

Assista Anita, lenda viva, mais essa saga e ouça, todas as poesias que não chegaram nos
seus ouvidos no tempo de luta e que foram por outra mulher escritas.
Eu conto aqui de longe, mas a mão que traça a caneta tem as tuas digitais.

Depois de ler o livro da sua vida revivida, encosta tua cuia de chimarrão
e também descansa, pois merece só sabor da alegria de saber que veio,
lutou por todos nós e principalmente viveu sem medo o amor do homem, que te eras
prometido e que veio além-mar por você guria.
Entrego com fita lacrada as poesias que jamais foram por outro mortal lido.
Mereces a glória maior dos pampas. Agora, descansa, Anita.
                   Obrigada Mulher, por ter existido.
 



Railda
Enviado por Railda em 23/01/2013
Reeditado em 04/01/2015
Código do texto: T4101300
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