o anjo que não tinha asas
para Gilberto Borges Canuto, meu pai
mais uma vez sentiu sua presença ali, bem ao seu lado. era sempre nessas horas que ele aparecia, como que para salva-la de todo mal que pudesse acontecer. ele estaria ali a qualquer tempo, essa era a promessa, e ela sabia que ele cumpriria com a sua palavra. e, mais uma vez, sentiu sua presença ali, ao seu lado, para protegê-la.
não chegou a conhecê-lo pessoalmente, mas sabia mais sobre ele que qualquer outra pessoa. mais até que alguns que conviveram ao seu lado. buscava a todo instante saber detalhes de sua vida. dos seus gostos, suas manias, as histórias que contava.
tinha fotos, muitas fotos antigas. mas preferia a imagem que sua mente lhe mostrava. na sua imaginação ela sempre estava presente ao seu lado, num abraço forte e aconchegante, diferentemente das fotos, que sempre mostravam um homem sorridente, mas solitário.
toda noite era a mesma coisa. ela fechava os olhos e se entregava aos devaneios. vislumbrava uma vida completamente diferente. não que esta em que se encontrava atualmente fosse ruim, longe de disso, mas algo lhe faltava. a ausência dele causava dor. dor física e psicológica. e o fato de saber que não existia na medicina remédio para tal dor era frustrante. mas, com o cerrar das pálpebras tudo era diferente. a família estava completa, ele estava ao seu lado e isso lhe fortalecia.
era somente com os olhos fechados que conseguia enxergar de verdade. a vida somente passava a ter sentido à noite, pouco antes do adormecer, quando o sono chegava e, enfim, ela poderia entregar-se à felicidade plena e satisfatória. durava pouco, mas era o necessário para continuar a vida.
e, então, mais uma vez, sentiu sua presença. ele se aproximou lentamente, com receio de assusta-la. ela estava distraída desta vez, sentada ao chão, focada nas palavra que escrevia numa folha de papel. queria mostrar-lhe seu dom, queria dizer a ele o quanto se sentia orgulhosa por saber que essas palavras, toda a inspiração para escrever, havia herdado dele. tinha orgulho de ser sua filha.
o anjo aproximou-se um pouco mais dela, não disse nada, ficou ali, imóvel em sua frente, apenas prestando atenção ao que ela fazia. não tinha asas, não tinha auréola. suas vestes eram comuns. mas a luz que emanava dele e a segurança que transmitia a quem estava perto não deixavam dúvidas, ele era sim um anjo. e estava ali para guarda-la. de todo mal, de todo medo.
ela sentiu-se abençoada. ainda com o olhar focado nas últimas linhas que escrevia, sorriu. o sorriso mais verdadeiro, espontâneo. sabia que ele estava ali. sentiu sua presença, sentiu seu abraço antes mesmo dele tê-la abraçado. sentiu-se verdadeiramente amada. enfim, colocou o último ponto final no que havia escrito. levantou-se apressada e olhou-o nos olhos, seus sorrisos se encontraram, disse então, com intensa emoção - Pai! - e, com olhos marejados, os dois abraçaram-se!
longos minutos se passaram e, como um gesto de gratidão entregou a ele, ao seu anjo da guarda, a carta que lhe havia escrito. ele então se pôs a ler as palavras dela, se emocionando logo no início, onde com uma caligrafia semelhante à sua, se encontrava o título: O Anjo Que Não Tinha Asas.
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