AO MESTRE (RAIMUNDO SOUZA) COM CARINHO



Célebre Arnaldo Jabor, desculpe se estiver sendo invasivo, mas não podia deixar de escrever isto. É que também tive um avô como aquele seu. O meu não era analfabeto, ao contrário, era professor. Professor primário, lá pras roças e fazendas de ITIÚBA e cidades circunvizinhas no interiorzão da Bahia. Tinha um nome, uma certa fama. E mais famoso não era, porque ficou cego, ou talvez tenha sido a própria cegueira que o fez famoso, pois mesmo cego, conseguiu alfabetizar muita gente, era chamado de mestre e conseguiu me ensinar a ler, a escrever e amar as letras. Foi porque ele me ensinou a ler todo tipo de leitura, livros, cordel, revistas (cruzeiro, manchete...), almanaques, Castro Alves, Olavo Bilac... que eu guardo ainda hoje o gosto pela leitura. E foi esse gosto, que me levou a ler suas crônicas. E esta aqui que acabei de ler, que fala do seu avô, me chamou a atenção e me fez lembrar do meu AVÔ. Do meu mestre Raimundo Souza. Avô e pai, como diz Zé Ramalho. Pois bem (Se eu estiver sendo chato, não leia mais! Mas, será que você começou a ler?), tudo que sei, embora saiba pouco, devo a ele, não que ele tenha me ensinado tudo, mas, me ensinou a procurar saber sempre mais. Não era tão liberal comigo, quanto o seu avô Arnaldo Hess. Mas quando alguém lhe contava que tinha me visto em cima, digo "dando em cima" de uma menina, ele ria, com uma disfarçada ponta de orgulho. Do que ele sabia, eu aprendi pouco, ou quase nada. Não tenho nenhum diploma. Aliás, nem consegui terminar o MOBRAL. Mas hoje, depois de tantos anos de leitura de tantos livros lidos, arrisco escrever alguns versos, alguma prosa, como esta crônica (?), que ninguém lê. E quem lê, não vai entender, porque ninguém me entende, visto, que o meu círculo de amizade se restringe a poucas pessoas e a maioria delas são assim como eu, semi-analfabetas, não apreciam a leitura, a minoria que gosta de ler, não querem perder tempo lendo escritos dum qualquer, sem instrução, porque certamente acham que não tem nada que se aproveite (talvez estejam certos). Mas voltando ao quase alguém Raimundo Souza, ali onde ele vivia naquela ruralidade semi analfabeta, ele, professor, com primário completo e programa de admissão completo, tinha status de intelectual. E era com esse status e seus ternos engomados com parafina (passados no capricho pela minha avó), que ele circulava por entre os figurões da política e da high society local. E eu, pelo fato de conviver com ele nesse ambiente, volta e meia também discursava em algum comício, casamento, inauguração de alguma coisa (como se inaugura coisa no interior), ou alguma reunião importante. De maneira que algumas pessoas me consideravam seu sucessor. Mas não foi isso que aconteceu. A "Silvaneide" apareceu na minha vida e junto com ela os filhos. De modo que continuo semi- analfabeto. Apenas com a inclinação para a escrita. Tanta que tive a ousadia de escrever esta réplica da sua crônica!


S. Paulo, 20/02/2011

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