= Meu filho maior =
João Fernandes era um homem simples e trabalhador.
Ganhava o seu sustento trabalhado nas lavouras, capinando, roçando pastos, destocando brejos, tudo para ganhar um dinheirinho. Fazia armadilhas no ribeirão para pegar alguns peixes que lhe rendiam um pouco mais de dinheiro. Quando ainda jovem, diziam que ele fora um bom jogador de futebol de várzea. Tinha apenas quatro dedos no pé direito, havia cortado o dedão, por acidente, com seu afiando machado.
Não tinha bens materiais, nem mesmo uma casa para morar, vivia de favores. Era ele um homem solitário, não sei se existiu alguém em sua vida, era um sujeito forte alto, de quase sessenta anos.
Nesta época eu trabalhava na comunidade de Lagoa, distrito de Divinópolis e ele, em Dijalma Dutra, um povoado próximo. João era, como eu, um alcoólatra. Bebemos algumas vezes juntos. Ao parar de beber, eu queria que todos os alcoólicos seguissem o meu exemplo. Comecei a trabalhar o João, não foi fácil, mas depois de seis meses consegui que ele me acompanhasse a uma reunião dos alcoólicos. Para minha surpresa, ele adorou, pediu o seu ingresso, e não mais bebeu.
Seus vizinhos tinham uma grande preocupação, pensavam e se ele adoecesse, e não mais puder trabalhar, o que será dele? Ele não dispunha de recursos, nem de salário fixo. João esta sempre firme em sua caminhada, trabalhava muito e só se preocupava com o hoje.
Apesar de tudo, ele era um homem extremamente caridoso, ajudava a todos que dele precisasse. Quando eu chegava em Dijama Dutra, era só eu parar o carro, lá vinha o João, com sua voz forte e rouca, ele gritava: _ ô tonho, hoje ninguém chutou a minha bunda, nem bateu na minha cara, não foi preciso me humilhar para o dono do boteco pedindo um gole fiado. _Apesar de ele ser bem mais velho que eu, eu o adotei como um filho, ele adotou-me como seu pai, tomava a benção, pedia conselho, trocava ideias, era bonita aquela amizade. Foram doze anos de uma vida sóbria.
Numa certa manhã, o filho de um rico fazendeiro, não sei o porquê, suicidou-se. João foi chamado para abrir a cova para enterrar o rapaz, ele prontamente atendeu. Era hora de almoço, João estava tirando do buraco às últimas terras, quando se sentiu mal lá dentro do buraco. Os amigos entraram para ajudá-lo, foi em vão, João já estava sem vida. Isto veio a por fim na preocupação dos vizinhos, ele não precisava de ninguém, nem mesmo para furar a sua sepultura. João fora sepultado no buraco que ele mesmo cavará, deve ser coisas de Deus, quem sou eu para questionar.
Foi como arrancar um pedaço de mim. Sofri muito a morte daquele filho querido. Fui até a sua casa, olhei todos os seus pertences, roupas, ferramentas, panelas, pratos coisas comuns em qualquer cada de pobre. Sua cama estava desarrumada como se ele tivesse saído às pressas, o que realmente aconteceu, ele saíra correndo para atender aquele último pedido. Não sei o por quê, mas comecei a arrumar aquela cama, que não mais seria por ele ocupada. Ao levantar o travesseiro, encontrei uma boa soma de dinheiro, que levei para a conferência local, onde ele era confrade, Juntos uma fixa amarela de ingresso em Alcoólicos Anônimos, e, um pequeno cartão que constava: Ingressante...João Fernandes. Padrinho... Tonho Tavares. Data... 13 de setembro de 1986; que com todo carinho ainda guardo comigo. Fui às lágrimas ao perceber o valor que ele dava aquele “documento” do reinicio de sua vida.
Eu o amava como amo a cada um dos meus inúmeros afilhados.
Seja lá onde você estiver, meu filhão amado, receba esta simples homenagem com todo o meu carinho.
Tonho Tavares.