Eu e meu sobrinho Lorenzo

Nunca lidei bem com crianças, comigo sempre aconteceu de algumas soltarem aquelas frases para lá de sinceras, sem nenhum filtro e com o poder de me deixar sem ação. Ao pegar no colo crianças de apenas alguns meses de vida, receio não conseguir apará-las ao mesmo tempo com a necessária firmeza e delicadeza.

Quando crescem um pouco mais, tenho dificuldade de emplacar um assunto, não consigo falar o mesmo idioma. Os personagens dos desenhos animados: princesas e vilões das histórias são outros que já não conheço mais. Sei que no fundo as histórias de madrastas, super-heróis e vilões sempre tem o mesmo tom. Basta um pouco de jeito para atualiza-las com poucos ingredientes: as princesas estão mais ousadas, e os vilões mais malhados. Entretanto, nunca dá certo. Se não souber o detalhe que embriaga a imaginação dos pequenos eles percebem facilmente que sou uma fraude, que no fundo, não sei do que estou falando. E aí vem a atitude politicamente incorreta dos pirralhos darem “as costas” e deixar o “tio Vini” falando sozinho.

Quando se trata do filho dos outros a situação é uma, mas quando os pequenos são sangue do nosso sangue o dilema muda de figura. Tenho um sobrinho, Lorenzo, um anjinho pintado a mão, expressão clichê? Coisa de tio? Não, o garoto é realmente lindo. Cabelos loirinhos e encaracolados, cachos grandes que não se desfazem nem ao dormir, estão sempre perfeitamente no lugar, seus olhos são de um azul claríssimo, um sorriso contagiante. O garoto não passa despercebido em lugar nenhum. Mas quem disse que consigo pegá-lo no colo? E um dengo, então? Nem pensar. Ele foge, chora, esperneia, chama a mãe e eu fico lá todo sem jeito, procurando quem possa me acudir com aquela sirene ligada, chorando como se estivesse sendo agredido.

Certa vez, minha gata de estimação estava diferente do que ele costumava ver, ele olha desconfiado, dá a volta no bicho e estranha e me diz:

- Tio, a gata está ficando gorda...

Era minha deixa, ele nunca havia dito uma palavra comigo e a única certeza que tinha de existir para ele era quando, ao me oferecer para brincar, ele negava com a cabeça. Agora, era minha chance de emplacar a conversa e respondo:

- Lorenzo, a gatinha do tio está grávida, em breve vai ter gatinhos, um monte deles.

Ele riu. O assunto acabou ai. Correu para sua mãe e cochichou alguma coisa para ela. Ela negou o que quer que fosse. Alguns dias se passaram e meu irmão, pai do Lorenzo, me liga, perguntando da gata e dos gatinhos. Respondo: “Em breve, irmão, em breve”. Ele diz que Lorenzo quer um, a mãe do garoto não quer, mas quem faz o menino se acalmar? Um mês depois minha gata dá a luz. Imagino que deve ter sido uma festa no telhado, minha gata é cinza, mas nasceu um gatinho preto, outro preto e branco, preto e cinza, todo cinza, todo branco, branco e amarelo, todo amarelo, amarelo com branco e preto, marrom e por aí vai. Ligo de volta:

- Lorenzo, é o Tio Vini.

- Oi tio.

Chega a ser emocionante, nestes dois anos e três meses de vida este é nosso segundo “papo”, tenho certeza que dando um gatinho de presente, Lorenzo vai ter muito assunto para trocar comigo. Vou pensar num nome para batizar o bichano e providenciar uma almofada bem bonita. Mandarei o bichano numa caixa envolto numa bela fita.

- Lorenzo, nasceram os gatinhos e tem de todas as cores, você pode escolher qualquer um. - digo num entusiasmo de vendedor certo de que já fechou negócio. Ele pensa, pensa, o telefone fica mudo, até que ele se decide:

- Tem azul?

Vinícius Moura
Enviado por Denise Pitta em 05/11/2012
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