Selena, reescritura do Corvo de Poe
Foi uma vez : eu refletia, à meia-noite erma e sombria,
A recordar de outro tempo, tempo de nunca mais,
E, enfadado, encolhido, vi algo meio iludido: um fidalgo
Tal se houvesse ao meu quarto algum luminar.
“É alguém” – fiquei a murmurar – “que está aqui a iluminar;
Somente isso e nada mais.”
Ah! Claramente o relembro! Fora no infausto Setembro,
E o relampejo varria do quarto sombras sepulcrais.
Em vão desejei o dia ; em vão fui sem vindas,
Esperanciando o reencontro com a bela Outrora –
Essa, mais bela que a aurora, a quem chamam de Outrora –
E aqui já não demora.
E por entre as cortinas sumira o fio reluzente,
Enchendo-me de temores então nunca vistos iguais.
Para apaziguar meu coração temente, me vi repetente:
“Foi uma nuvem: tão logo passada, tu reverás;
O raio luminoso por entre as cortinas reverás;
Logo ali, logo mais.”
Sem hesitar, ergui-me, e vendo o reflexo sob a porta:
“Senhor, ou senhora, que a iluminar aqui estás,
Tirai-me das sombras onde quedo e deploro;
Por favor, eu imploro, Tu me salvarás!”
Fui-me então, retornei de meus umbrais
- escuridão e nada mais.
Esquadrinhei a noite fria, falhando em inquiri-la,
Sonhando sonhos que ninguém, ninguém ousou sonhar iguais.
Mas o silêncio era irrevocável e a quietude desconfiável
E, na noite, a esperança resumiu-se em ínfimos luais –
Na solidão estava eu, demandando, clamando por luais.
Apenas isso e nada mais.
Febril, voltando ao quarto, revejo a luz pousando de repente
Na mesa, sobre alguns de meus devaneios literais.
“Vem da janela” – penso então – pra quê agitar-me de aflição?
Calma, deixe-me ver então e a esse mistério explorar –
Deixe-me um pouco, coração, a esse mistério explorar –
E enfim me acalmar.”
Escancarei então a janela, e, como uma donzela,
A peça encontrou-se repleta por aquele feixe vultoso.
Diana transfixou-se singular, em forma e em lugar –
No meu quarto estava a solene e serena Selena
Em sua recém-eterna forma, mais bela que Helena,
Hierática e serena.