Aos Padres

Há, aproximadamente, dois mil anos atrás, Jesus, durante a Santa Ceia, disse: “Fazei isto em memória de mim”. E, desde então, homens ungidos por Deus vêm renovando o Seu último pedido. E, assim como Ele fez em seu último momento no meio dos homens, nos vêm refazendo o começo do que se tornou a maior prova de amor já feita. Refazendo a partilha do corpo e do sangue Daquele que se deu por pessoas que não conhecia e que na época, nem existiam; pessoas que não mereciam e outras que, ainda hoje, provam não merecer. Refazendo a cena mais bela já vivida, já encenada, já lembrada. Reduzindo o Filho de Deus a um pedaço de pão e um pouco vinho. Multiplicando assim seu corpo, fazendo com que mais pessoas possam sentir a presença de Deus bem dentro de si. Correndo em suas veias. No coração.

Me perguntava quando criança e acho que me pergunto até hoje: o que leva alguém a ser Padre. Não que eu esteja me desfazendo da vocação, que acho magnífica! Mas, digo no sentido de largar a família, trocar de cidade, deixar amigos de infância ou, os que prometemos que seriam eternos, hábitos, outros sonhos, ‘vida’, por causa de um ‘Chamado de Deus’... Pode até parecer besteira, mas ainda me faço essas perguntas. E as refiz enquanto escrevia o texto! Sempre digo que precisamos seguir nossos sonhos e buscar a felicidade. E, para ser sincero, não tinha muita noção da dimensão desse sonho... Até que comecei a compará-lo com o meu.

No Teatro, damos vidas a vários personagens! Remontamos, relemos, revivemos, relembramos. Em alguns casos, também perdemos família, trocamos de cidade, deixamos amigos, hábitos, outros sonhos, ‘vida’... Percebi que ser Padre vai além do que eu pensava! É mais do que simplesmente estudar filosofia e Teologia. É mais que colocar uma batina e celebrar a Santa Missa. É ser, na forma mais humilde, Jesus. É ler nas entrelinhas da Palavra ou até mesmo entre o que nem foi escrito, é falar, tocar, mudar o coração de quem ouve. É mais que ‘estar’ Cristo, é ‘ser’ Cristo! É fazer o papel de Deus dando o perdão. É ter coragem de deixar tudo para trás em busca de algo novo e intocável. É amar sem ver, é perdoar sem ver, é se doar sem ver, é dar sem ver, é ter sem ser, é ser sem ter, é perder o que nunca se teve, achar o que nunca se perdeu, rever o que nunca foi visto. Ser padre é abrir mão do ‘eu’, adotar o ‘nós’; em alguns casos, somente o ‘vós’. Cheguei à conclusão de que os médicos salvam o corpo; os Padres: a alma, a parte mais importante do corpo, a única que permanecerá viva e intacta, mesmo depois que os médicos já nada mais conseguirem fazer para salvar o corpo.

Talvez, agora, eu veja os Padres como Anjos enviados pelo Céu para nos apontar o caminho certo. Nos proteger dos perigos do mundo e da vida. Nos ajudar nas incertezas. Nos perdoar. Nos amar pelo que realmente somos, somos Filhos de Deus, e para eles somente isso basta. Talvez, agora, eu veja os Padres como os grandes sábios da Grécia antiga! Aqueles que viviam rodeados de seguidores esperando que eles lhes falassem algo que, simplesmente, os tocasse na mente e no coração. Algo que fosse dito com tanta força e certeza que fosse capaz de, em apenas alguns segundos, me fazer repensar toda a minha vida e me fizesse renascer a partir daquele momento. Talvez, agora, eu veja os Padres como o singular da Santíssima Trindade. Talvez, agora, eu veja os Padres como amigos.

Como já disse, admiro quem escolhe este caminho! Não sei se agüentaria ter sobre meus ombros o peso da responsabilidade de salvar a alma do próximo. Aquele que nem conheço ou, que ainda, nem goste (se já não gosto). Os admiro, não somente por, mas principalmente, por conseguirem amar o próximo.

Aos que serão que possam absorver dos mais experientes as partes boas. As ruins? Absorvam também! Como se fossem suas. Já foram cometidas uma vez, se forem duas, terá sido escolha sua! E vão se resolver com Deus no dia do juízo por isso! Aprendam a falar com os jovens! Somos problemáticos! Demais! Mas querendo ou não, somos o futuro, assim como as crianças, só que mais próximo. Sejam como São Vicente e fale de caridade, pratiquem a caridade, sejam a caridade. Não esperem que as pessoas destapem seus ouvidos! Falem! Mas falem com o coração. Se não forem ouvidos, serão sentidos (eu garanto!). E lembrem-se que somente através do testemunho real serão capazes de converter alguém. E se querem o mundo iluminado pela luz de Cristo, caberá a vocês a missão de acender essas luzes nos outros. Assim como uma corrente.

Aos que serão e, principalmente, aos que já são, deixo de presente por este dia a minha alma, o meu coração, a minha vida. Se Deus os escolheu como seu representante na Terra, nada mais justo do que dar a vocês o que é Dele. Quero que zelem com muito carinho pelos presentes que lhes dei. Quero que sejam justos e verdadeiros com eles. Que não me permitam seguir no caminho incerto. E se seguir, que logo me retirem. Quero que digam ao meu coração palavras boas, coisas que me farão ser feliz e não me deixarão chorar quando voltar para o mundo real. Quero que permitam a minha alma sempre buscar o alto! Se manter branca, pura. Mas se vier a sujar com as incertezas da vida, que possam dar a ela o perdão. E quanto à vida... Apenas nos permita ser jovens até o momento, adultos até o momento, idosos até o momento, mas tudo isso com Deus presente em nossas vidas! Neste dia, desejamos a vocês, apenas, que possam continuar a história que Cristo começou. A história da Salvação!