A FERNÃO CAPELO GAIVOTA - Zuleika dos Reis
A vida nunca me deveria ter permitido antever a possibilidade de voos tão altos, de voos para os quais, definitivamente, não tenho asas. Se eu jamais tivesse tido a antevisão da existência de paragens de tal altura, me teria resignado, teria poupado deste sofrimento sem tamanho e sem saída estas asas e este voo meu, de pomba que consegue, no máximo, chegar aos telhados mais baixos e próximos.
Ah, vida caprichosa, mesmo cruel, por que me fizeste antever céus a tal ponto impossíveis? Eu compreendo a lição que nos trouxeste, Fernão Capelo Gaivota. Eu sei que falas de outros céus, de céus espirituais, acessíveis a todas as aves, a aves quaisquer, desde que a voar sob obediência à Sua Própria Inexpugnável Vontade de Poder.
Falas de outros céus, Fernão, e eu me refiro a céus daqui, visíveis céus desta dimensão. Ah, Fernão, gaivota querida: para estes mais altos céus daqui, daqui mesmo, não me ficaram direitos sequer a tentativas de ir que fosse apenas um pouco mais além dos telhados mais baixos e, mesmo assim, só pela imaginação, que até minhas asas de pomba foram cortadas; elas foram cortadas, Fernão.
P.S. Sei, claro, que para as asas da imaginação não há alturas-limite, mas, como às vezes exaure só ter poder para voar com as asas da imaginação! Como exaure, Fernão! Melhor, mesmo, resignar-se a viver sempre ao rés do chão.
Na noite de 28 de setembro de 2011; republicação, com acréscimo de um P.S. ainda na manhã de 12 de agosto de 2012.