LÉU, OLHAI O IPÊ FLORIDO*



Quando é agosto e no horizonte tem mais azul, o cenário tinge-se em névoa de fumaça ao fundo e faz borrado o mundo distante.

Agosto reforça sua tradição: contradição do belo, e mais belo se torna, por pretender anular o mundo entorno. Ledo engano: a beleza de agosto não vem da sua pretensão; cerrados, campos e prados tem em agosto a beleza posta por seu amarelo que renasce ano a ano. Amarelo do Ipê. Majestoso. Da flor, dos cachos, dos tufos, das copas. Um amarelo saliente, vivo. Cor em sua robustez.

Agosto é belo por matizes douradas do Ipê, que ainda levam soltas ao horizonte esfumaçado o doce olor de flores silvestres.

Ipê florido.

Tem em meu quintal esse amarelo reposto. Ipê plantado, eu e meus filhos, assim por amor à Natureza e lembranças de Indiaporã, sítio Santa Etelvina, hoje Estância AgroPaulo, paraíso do meu Compadre. Anos distantes. Desde o sítio; desde o dia eleito para a família em casa pôr no jardim a plantinha esguia. Era setembro, um "Dia da Árvore". Pequenos jardineiros, meus filhos entendiam o gesto.

No meu quintal, o Ipê acima das muralhas acena com ramalhetes amarelos. Quem passa por esta rua, leva para sua casa o encanto da minha. Impossível não ver o Ipê, sentir como que abraça a todos que passam.

Quanta claridade tem lá fora, o amarelo do meu Ipê.

E aqui no quintal, no espelho verde do gramado, flores que rodopiam no ar acumulam-se num tapete amarelo, cama dos sonhos e das lembranças. Palpita a saudade de criança, tempos em Indiaporâ, cantinho de São Paulo. Saudade das crianças, agora adolescentes soltos na vida, na busca do sonho futuro. Gabriel, Maria Eduarda, Milton Neto. Crianças que minha complacente Ângela tão carinhosa cuidou, depois espargiu afora, depois chorou pelos filhos tão perfeitos que tem.

Pois foi neste agosto, agora desbotado em azul de fumaça, agora tingido de amarelo do Ipê; pois foi nesta claridade amarela daqui de fora, do agosto, que meu quintal acena com um choro triste de adeus. E choram os cerrados, os campos, as cidades. Choram em cachos amarelos de flor do Ipê, pingos de lágrimas contidos em cada flor que rodopia no ar e no chão se acumula.

Choram os Ipês Floridos, reverentes ao cantor que parte, em seu solene adeus que merece. Querido cantor do Ipê Florido. Sertanejo que cala, viola que retrai.

A canção é eterna, não morrerá Liu com sua voz sonora, mais grave no dueto que integra. Os sucessos musicais que embalaram tristezas e suavizaram mágoas incrustarão na alma dos retirantes, em seus poros e seus genes, e por aqui ficarão consagradas através de muitas gerações.

Em seu adeus, Liu não morreu, pois viva prosseguirá sua música original, caipira. Ouçam nesse silêncio, há uma canção que toca: Boiadeiro Errante; Morena do Sul de Minas; Buscando a Felicidade; Caminheiro; Jeitão de Caboclo; Mãe de Carvão; Pé de Rosa; Sementinha; Tardes Morenas de Mato Grosso; Senhora da Penha...

Nesse momento de azul esfumaçado, há um aceno de flor, buquê amarelo que chega de todo canto brasileiro, vem envolver o corpo de quem nesta vida bem cantou a melodia mais bonita que o sertanejo compôs e mandou cantar em dueto. Centenas de canções para Liu e Léu: dupla afinadíssima, vozes agudas, sublimes, cristalinas. Irmãos de Zico e Zeca, de vozes etéreas. Primos de Vieira e Vieirinha, catireiros inigualáveis.

Liu não morreu em seu adeus.

Olhai ao redor, Léu, o irmão como se enfeita em seu derradeiro show. Adornado, repousará à sombra nos campos e cerrados da sua eterna Itajobi. Deixará que cantem sua saudade. Com alegria, cantarão os fãs, confortarão os amigos, a família.


Olhai ao redor, Léu, querido irmão. Quanta claridade lá fora, na copada amarela, meu Ipê florido.



- Homenagem à dupla sertaneja autêntica "Liu & Léu", pelo falecimento do Liu (Lincoln Paulino da Costa - Nasc. 07/agosto/1.934) na noite de ontem, 04 de agosto de 2012, a três dias de completar 78 anos.

*Leia este texto no Site www.miltonmoreira.recantodasletras.com.br  . Também ouça a Música de Fundo: " O Ipê e o Prisioneiro (Meu Ipê Florido)"
autores: José Fortuna - Paraiso
intérpretes: Liu & Léu











Milton Moreira
Enviado por Milton Moreira em 07/08/2012
Reeditado em 02/12/2012
Código do texto: T3818095
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