IMIGRANTES ALEMÃES

PREPARATIVOS PARA A SAÍDA:

Na Igreja Sagrada Família – BLÖDESHEIM:

31/MAIO/1858:

A pequenina Igreja estava lotada. Todos da Aldeia estavam ali. Sabiam que a família Clemens inteira estava para embarcar na mais importante viagem de sua vida, saindo em direção ao norte, até o Porto de Hamburgo, onde juntamente com muitas outras famílias que a eles se juntariam, como os Albert, de Weisenau, os Dilly, de Gau-Bickelheim, os Scoralick, de Hachenheim, os Stenner de Dalheim e muitos outros da mesma região, que tinham o mesmo objetivo: Imigrar para o Brasil, sob contrato com o Império Brasileiro.

Johannes, o cabeça da família Clemens e sua esposa Anna Maria, tendo ao colo os pequenos Joseph (01 ano) e Anton (03 anos) estavam no primeiro banco e ao lado Henrich (08 anos) e Jacob (11 anos). No segundo banco estavam os demais filhos do casal, Phillip, o primogênito, com 19 anos, Margaretha (17 anos), Mathias (16 anos) e Markus (14 anos)

Os demais presentes eram parentes e amigos das vizinhanças.

E, padre Heinrich do púlpito eloqüente continuava: - “Qual é o homem que pode conhecer os desígnios de DEUS? Ou quem pode imaginar a vontade do Senhor?”.

Na verdade, os pensamentos dos mortais são tímidos e suas reflexões incertas...

Assim como o Senhor disse e prometeu a Abrahão, o pai da nação de seu povo: - “Vai, com teus rebanhos, suas ovelhas, seus pertences, para uma nova terra, onde lhe prometo, haverá sempre leite e mel e sua descendência será incontável, como as estrelas do céu e os grãos de areia dos desertos”, eu também lhes digo, completava o Padre:

“Vão em paz, meus queridos filhos, e que o Senhor vos acompanhe na Longa Caminhada, até Hamburgo, no mar sem fim e até a nova terra, na América, onde continuará a vos acompanhar juntamente com toda a família e amigos, onde plantarão a semente de suas crenças, seus costumes e onde seus filhos constituirão novas famílias e farão de lá, sua nova pátria, porque onde estiver seus corações, lá estará também seu tesouro”.

“Lembrem-se, ainda, queridos filhos, da frase que lhes vou ensinar, visto que sei e tenho notado da vida regrada e santificada que todos desta Aldeia têm se dedicado. Na nova terra e através de seus filhos e filhos de seus filhos, a norma será, como tem sido até então”:

“ORA, TRABALHA E DEUS AJUDA”

Rezando sempre, todos os dias, agradecendo, pedindo novas graças, mas também trabalhando duro, todos da família, certamente serão recompensados com a misericórdia e ajuda de Deus.

Ao final, tomado pela emoção, com os olhos lacrimejantes e o peito apertado, invoca a Benção dos céus para aqueles imigrantes já saudosos de sua terra, mesmo antes de partirem, rumo ao desconhecido:

“O Senhor vos abençoe e vos guarde!

O Senhor faça brilhar sobre vós a sua Face e se compadeça de vós!

O Senhor volte para vós o seu rosto e vos dê a sua Paz!”

Quando a missa terminou e após os abraços e cumprimentos chorosos, a família retornou para sua casa, na Bellengasse, 24, onde fariam o último almoço antes de encetarem a longa viagem. Os representantes da Agência iriam buscá-los, de carroça, por volta de 12 horas. A bagagem estava já toda preparada. Grandes caixotes confeccionados de acordo com as especificações da Companhia, devidamente lacrados e fechados de cadeados, com o nome da família escrito em tinta preta já estavam lotados com os pertences da família, roupas, calçados, utensílios de cozinha, ferramentas e até um velho relógio inglês, que marcara as horas tristes e alegres na casa dos Clemens por mais de 50 anos já estava devidamente embalado e encaixotado.

A senhora Schultz, uma viúva, vizinha da família, já tomara a iniciativa e em pouco tempo, enquanto as crianças brincavam no terreiro e os mais velhos conferiam tudo, o almoço estava servido. Arroz, salada de batatas e beterraba, carne de porco assada acompanhado de cerveja para os adultos e sangria para os pequenos foi o cardápio da última refeição em casa.

Sentados à mesa, de mãos postas e cabeças baixadas, acompanharam Johannes, o patriarca, na oração que costumavam fazer antes das refeições; depois de fazerem o sinal da cruz, rezavam assim:

“Abençoai Senhor, os alimentos que vamos receber de vossas mãos bondosas. Fazei com que alimentando nossos corpos não vos esqueçais de alimentar nossas almas, amém”! “Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo”, rezava Johannes e os demais respondiam: “Para sempre seja louvado”

Em silêncio, comeram aquela última refeição, enquanto o pequenino Joseph sugava o seio da mamãe Anna, também participando do banquete.

Ao final, depois de a custo manter os menores à mesa, o chefe da casa chamou todos para a oração final, que faziam sempre juntos agradecendo a Deus:

“Obrigado Senhor, pelos alimentos que acabamos de receber, que não nos falte nunca o pão de cada dia; pão do corpo, mas também o pão da nossa alma, amém”, e persignando-se, terminava:” Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo – Amém”

NOTA do autor:

Até os dias atuais, passando pelos bisavós, avós e meus pais, em minha família, ainda hoje, fazemos tais orações de início e final das refeições, em agradecimento.

Mal acabaram o almoço e já estavam ouvindo os rumores da rua. A Aldeia de “Blödesheim” estava em polvorosa, assim como as Aldeias vizinhas, com a chegada dos grandes carroções que vinham buscar os viajantes.

Braços não faltavam para ajudar no embarque dos pesados caixotes, além de grandes mochilas e trouxas. Afinal, estavam levando tudo o que podiam. Muita coisa foi deixada de lado, vendido ou dado para os que ficavam, para não pesar ainda mais as bagagens de viagem.

INÍCIO DA JORNADA

Aboletados no Carroção, a família inteira, pai, mãe e nove filhos, com grande emoção via se afastar da pequena aldeia onde nasceram todos (exceto a mamãe Anna Maria, que nascera na Aldeia de Dalheim) e moraram toda sua vida, com uma grande dor no coração, apreensivos com o futuro, exceto os mais jovens, que tagarelavam a mais não poder, falando das aventuras que iriam enfrentar.

Menos de uma hora adiante a comitiva foi aumentada ao passar por outra aldeia. Mais duas famílias se juntaram aos Clemens e assim sucessivamente mais e mais pessoas em carroças seguiam para o mesmo destino, ou seja, o porto de Hamburgo, no norte.

Muitos deles derramaram lágrimas amargas ao se despedirem de parentes e amigos, pois sabiam ser um adeus para sempre. Ao passarem por uma elevação, um morro, na estrada, pararam por uns momentos e volveram seus olhares para trás, onde muitos moradores do lugar os acompanharam. Com os olhos marejados de lágrimas, Herr Clemens vislumbrou pela última vez os lugares por ele conhecidos.

Era organizada a tal Companhia encarregada de contratar e embarcar os alemães. Em alguns trechos do percurso, ao passarem em outros Principados ou Reinados, deixaram de lado as carroças e embarcaram em vagões de trens que facilitavam bem mais a viagem, encurtando as distâncias.

NO PORTO DE HAMBURGO

Em três dias a família chegou ao seu destino dentro da Alemanha. O Porto da cidade de Hamburgo, passando por Frankfurt an Main, Hessen, Eisenach, Kassel, Göttingen, Salzgitter, Hildesheim, Hannover, Soltau, Lüneburg e finalmente a cidade de Hamburgo (somente citando os principais pontos).

Lá no porto, a confusão era total. Uma verdadeira Babilônia. Os funcionários da Companhia se embaraçavam mais e mais no afã de cumprir a última etapa de seus compromissos, isto é, embarcar os viajantes nos veleiros. Lá no porto mesmo, esparramados em grupos, os viajantes esperavam pacientemente o desenrolar dos acontecimentos, sentados em seus caixotes ou deitados ao lado de seus pertences.

Família por família, todos foram chamados para assinar o contrato de viagem e saber de seus deveres e obrigações durante a navegação e estada nos navios.

Estava tudo escrito lá, em alemão e português, que era lido pelo funcionário da Companhia e em seguida assinado pelos imigrantes maiores de dezoito anos e o representante da Companhia, devidamente autorizado pelo Governo Alemão. Deviam pagar pela viagem de acordo com a idade da pessoa, tantos “tallers”, incluídos aí o trajeto de suas casas, a alimentação durante a estada no porto, em alto mar, no porto do Rio de Janeiro e até o assentamento nas terras brasileiras.

No Brasil, na Colônia D. Pedro II, seu destino final, receberiam um “prazo de terras”, terreno, ferramentas, materiais para levantar suas casinhas, um casal de porcos, galinhas e condições de trabalhar a terra de onde tirariam seus sustento e mais, um tempo de tantos anos para reembolsar tais adiantamentos ao governo brasileiro.

Estava tudo lá escrito, bilíngüe, (alemão/português) mas, nem ouviram direito o que estava sendo lido, assinando todas as folhas com grande ansiedade. Afinal, estavam deixando a Alemanha dada a situação em que se encontrava a Pátria. Uma verdadeira colcha de retalhos, dividida em Reinados, Principados, Condados, Ducados e Cidades livres, cada qual com um governo próprio e receosos de serem engolidos pelos vizinhos mais fortes militarmente ou politicamente. O povo trabalhava para um figurão, (um Duque, um Conde ou outro da nobreza) que cobrava pesados impostos pelo uso de suas terras. Do que produziam, pouco sobrava para o sustento da família. Com o casamento de um filho/filha, a terra era subdividida e os recursos também subdivididos. Era uma progressão aritmética, em direção ao fundo do poço que não teria fim. Todos estavam em dificuldades, devendo até o último fio de cabelo aos donos da terra.

Ao saírem de suas aldeias, levando consigo tudo o que podiam, inclusive todos os membros da família, conta-se que cantavam uma música popular à época, trocando a letra da mesma, dizendo que:

“levamos tudo conosco e só deixamos aqui, nossas dívidas”.

Voltando ao embarque.

Depois do ritual das assinaturas dos contratos, devidamente visados pelo representante do “Kaiser”, todos subiram nas barcaças que os levariam até o Veleiro “Osnabrück” que os aguardava ao largo, em águas mais profundas, à bordo com suas bagagens.

O patriarca e seu filho mais velho, conferiam as passagens da família Clemens que estavam assim numeradas:

197 – Johannes – 43 anos

198 – Anna Maria 43 anos

199 – Phillip - 19 anos

200 – Margaretha 17 anos

201 – Mathias

202 – Markus - 13 anos

203 – Jacob - 11 anos

204 – Heinrich – 08 anos

205 – Johann - 06 anos

206 – Anton - 03 anos

207 – Joseph - 01 ano

No convés reunidos, ouviram uma longa preleção do comandante que lhes alertava para os procedimentos à bordo, dentre muitas restrições, das quais se destacavam:

1 - Não poderiam fumar cachimbo sem tampa, quando estivessem no convés, à noite (exceção, quando em alto mar).

2 - Cada família ocuparia uma área de tantos metros quadrados, por tantos membros possuíssem.

3 - A Companhia não se responsabilizava por seus pertences, portanto, cada um que cuidasse do que é seu.

4 – A água doce disponível em tonéis seria para beber e o preparo de alimentos. Para banhos e limpezas em geral seria usada água do mar.

5 - O Capitão seria a autoridade máxima para resolver qualquer pendência ou rixa à bordo, sem contestação.

SOBRE ÁGUAS TRAIÇOEIRAS

Velas infladas pelo vento e soltas as amarras, lá se foi a Barca, denominada de “OSNABRÜCK”, pelas águas mansas do Rio Elba em direção ao Mar do Norte, deixando para trás os antigos prédios e guindastes do porto e o som da música da pequena orquestra, lá no cais, sob a batuta do jovem maestro, também Johannes, mas de sobrenome Brahms, um músico promissor de 25 anos que nascera ali em Hamburgo.

Johannes Brahams, veio a se tornar, mais tarde, um mestre da música clássica universal, ombreando-se com Johann Strauss, Giacomo Rossini e outros mais.

Mais um pouco e já estavam em alto mar, acomodados todos no piso inferior do Veleiro, em seus beliches, rodeados de suas bagagens, tensos e cansados pelos acontecimentos dos últimos dias.

Os primeiros dias se passaram como uma grande festa, principalmente para os pequeninos, que como ovelhas saltitantes pululavam o convés e toda a embarcação, enquanto seus pais se ocupavam das obrigações diárias.

Dias e noites de viagem, muitos mareados mal conseguiam se manter em pé, com enjôos sempre freqüentes e alguns com febre alta, o que preocupava por demais todos à bordo e já estavam alcançando as águas profundas do Oceano Atlântico.

Ora os ventos empurravam a embarcação que deslizava célere, ganhando bastante tempo, ora uma calmaria chegava e fazia o veleiro perder o tempo que haviam ganhado. Não podiam perder mais que ganhar, porque os alimentos e a água à bordo poderiam faltar, apesar de estarem prevenidos para as intempéries da viagem, com bastante água e víveres em estoque.

Não se sabe quando e de onde veio aquela tempestade que se aproximava no horizonte, ameaçadoramente. O céu estava preto e o ar bastante quente e parado. Mandados para o convés inferior, os viajantes já ouviam os trovões e sentiam o balançar da embarcação. Mais um pouco e os raios rasgavam o céu com grande estardalhaço, enquanto a borrasca começava com forte chuva que batia nos lados do casco, como que pedras jogadas contra ele. Caía tanta água que o barco não dava conta de expulsá-la e filetes de água escorriam sob os pés e bagagens dos intrépidos alemães, que a essa altura temiam que a embarcação afundasse.

Agora o vento açoitava o veleiro com muita violência, que para não correr o risco de soçobrar teve suas velas recolhidas a uma ordem do capitão. As altas ondas engoliam o barco num imenso buraco, para logo em seguida levanta-lo numa crista de mais de cinco metros. A tripulação, afeita aos rigores dos mares, suas tempestades e ventos uivantes, já demonstrava sinais de temor com a sorte de todos.

Homens, mulheres e crianças, todos de pé se amparando uns aos outros, (muitas famílias, como os Clemens, nem conheciam o mar, já que moravam no interior) amedrontados, olhos arregalados, procuravam consolar as criancinhas que choravam sem parar, unidos estavam em oração, pedindo a proteção lá do Alto para conseguirem passar por tamanha dificuldade.

Herr Clemens, com a bíblia na mão subiu no tonel de água, que a essa altura estava fortemente amarrado a uma coluna, e pedindo a atenção de todos, arremessando sua voz além dos trovões e raios, leu para todos o Salmo 106: -

“Os que sulcam o alto-mar com seus navios para ir comerciar nas grandes águas testemunharam os prodígios do Senhor e as suas maravilhas em alto-mar”.

Ele ordenou e levantou-se o furacão, arremessando grandes ondas para o alto; aos céus subiam e desciam aos abismos e seus corações desfaleciam de pavor.

Mas gritaram ao Senhor, na aflição e Ele os libertou daquela angústia. Transformou a tempestade em bonança e as ondas do oceano se calaram.

Alegraram-se ao ver o mar tranqüilo e ao porto desejado os conduziu. Agradeçam ao Senhor por seu amor e por suas maravilhas entre os homens”.

E todos responderam: -

“Dai graças ao Senhor porque Ele é bom e eterna é a Sua misericórdia!”

Herr Roth, levantando-se, complementou, rezando parte do livro de Jó, animando seus amigos: -

“O Senhor respondeu à Jó, no meio da tempestade e disse: - Quem fechou o mar com portas, quando ele jorrou com ímpeto do seio materno, quando Eu lhe dava nuvens e névoas espessas por faixas; quando marquei seus limites e coloquei portas e trancas e disse: “Até aqui chegarás e não além; aqui cessa a arrogância de suas ondas?”

E ainda lembrou aquela passagem do Novo Testamento, apesar de não encontra-la naquele momento de aflição, em sua bíblia, quando Jesus estava dormindo no fundo do Barco e seus companheiros, com medo da tempestade que mais e mais tornava o mar encapelado, cutucou o Mestre e pedindo-lhe ajuda disseram:

Jesus, acorda e veja, a água está entrando na barca, socorra-nos, vamos afundar!

ELE, levantando-se, ralhou com todos: -

Homens de pouca fé, porque temeis? E levantando seu braço em direção das ondas, mandou que se acalmassem, e no mesmo instante cessou a tempestade, tornando a superfície do mar, como um grande tapete verde. Então, mais amedrontados ainda, diziam entre si: -

Quem será esse homem que manda e a natureza obedece?

Mais algumas horas a procela castigou o veleiro, quando aos poucos foi perdendo força e pode a embarcação retornar seu rumo e a alegria voltou entre a tripulação e passageiros.

Estes, agradecidos, fizeram uma grande comemoração à bordo, no convés superior, com autorização do Capitão, certamente.

Instrumentos musicais foram sacados das caixas e bagagens e uma dezena de acordeões (sanfonas), violões, clarinetas e pandeiros aparecerem para animar a festa, que se arrastou até alta madrugada, com meninos e meninas, moças e rapazes, homens e mulheres se confraternizavam, dançando polcas, mazurcas e valsas com grande alarido e animação. Surgiu até um barril do bom vinho, que o capitão Wolf autorizou abrir, (abrindo uma exceção) servindo a todos com grande alegria.

Aquela noite foi especial para os imigrantes, que se recolheram bem tarde da noite, para um sono reparador e tranqüilo.

A rotina estava restabelecida e até o fim da viagem poucas novidades se apresentaram. Na manhã do 59º dia, 04 de agosto de 1858, um grande alvoroço se deu a bordo, quando gritaram que a cidade do Rio de Janeiro estava à vista e um Morro se destacava no horizonte com o já famoso “Pão de açúcar”, que teimava em não aparecer. Foi aquela correria para o convés superior, os meninos correndo à frente e os denais imigrantes se aglomerando à amurada para se deliciarem com momento tão marcante.

Afinal, foram quase dois meses de água e mais água e paisagem imutável. Mais algumas horas e sob uma interminável salva de palmas dos imigrantes, lá estava o “Zucker-brot” se destacando altaneiro, tendo o infindável céu azul ao fundo.

Estavam já no Brasil, a Mão Divina os havia amparado nas aflições e os conduzido para águas tranqüilas e ao porto seguro. Por tudo, davam graças a Deus, o bom Pai.

O capitão do Veleiro foi merecedor de grande ovação por parte dos passageiros, pela tranqüilidade, coragem e firmeza com que tratou sua tripulação, trazendo a embarcação até seu destino, apesar das intempéries por que passou, descendo todos com suas bagagens, com grande alarido.

Após o desembarque, permaneceram ainda uns dias na área portuária, numa espécie de quarentena, em observação.

As autoridades brasileiras somente liberaram o grupo para seguir viagem após as verificações de praxe, conferindo passaportes e documentos legais. Os adoentados foram medicados e todos, devidamente legalizados puderam iniciar a viagem por terra até seu destino final, a cidade de Juiz de Fora, onde lhes era reservada a Colônia D. Pedro II.

Era um enorme prazer e um grande alívio, fazer aquela caminhada em terra firme, como aquela que fizeram de suas casas até o porto de Hamburgo, em carroções, onde as caixas, trouxas e todo material que trouxeram eram acomodados e também onde se aboletavam as mulheres e crianças pequenas e os homens sempre à pé caminhando ao lado, livremente e unidos na mesma emoção de conquistarem uma nova terra e a esperança de melhores dias, que certamente viriam.

Chegando em Petrópolis, Rio de Janeiro, onde já lhes precediam grupos de alemães, que vieram alguns anos antes, para o desenvolvimento daquela cidade e preparar o início das obras da Estrada União e Indústria, souberam que alguns patrícios não tiveram a sorte deles, haviam sucumbido a tão longa jornada e morrido antes de pisarem a “Terra Prometida”, tendo sido sepultados em alto mar.

Lá, permaneceram um dia, para descanso e em seguida reiniciarem a viagem até Juiz de Fora, na Província de Minas Gerais, seu destino final.

Vamos a duas reportagens que foram publicadas no jornal de então, que circulava na região, O Parayba de nº 60 – 1º de julho de 1858:

- Não há ainda um mês que a população de Petrópolis viu com júbilo seguirem seu destino, 232 colonos alemães de ambos os sexos, que a Cia.União e Indústria importara para a Colônia de D. Pedro II, que a mesma Companhia fundou nas imediações da cidade de Paraibuna ( Este era o nome da cidade de Juiz de Fora, à época).

- Outra notícia:

- Chegaram ultimamente de Hamburgo a bordo da Barca Rhein, mais 182 colonos alemães, também de ambos os sexos, para a mesma Companhia, segundo noticiamos em nosso último número (chegaram no sábado, 26 de junho, conforme “O Parayba” de 27 do mesmo mês, nº 59).

- Esses colonos seguiram no dia 29 para a Colônia de D.Pedro II, isto é, no mesmo dia em que 13 anos antes subiram a serra com destino à Petrópolis os primeiros que vieram para a fundação desta florescente Colônia.

- Vimo-los passar, promiscuamente em carroças, com rosto alegre e expansivo e um resto deles, ou por não terem condução, ou por assim o desejarem, seguiram à pé, quase em número de 100.

- E como se tivessem adivinhado que esse dia era aniversário da chegada a Petrópolis, dos seus compatriotas que os haviam precedido 13 anos antes, em sua imigração para o Brasil, percorreram toda a Rua do Imperador, cantarolando em coro, cantigas de sua terra, com bandeiras improvisadas, presas aos canos de espingardas de caça, com grandes ramos que cortavam pela estrada e que brandiam no ar, com satisfação íntima, que até a beleza da tarde contribuía para dar-lhes ao porem os pés no limiar de sua segunda Pátria.

- Não seja nunca outra a sua disposição de ânimo nos lavores a que se destinam; e possa a sua feliz sorte chegar ao conhecimento dos seus compatriotas que procuram outras plagas menos hospitaleiras e persuadi-los assim a procurar espontaneamente o Brasil, onde tudo lhes promete e garante maior soma de bens, que lá onde escasseia o trabalho para tantos braços.”

O Parayba de nº 69 de 01/08/1858, também noticiou assim:

“ Passaram no dia 28, por Petrópolis, 160 colonos dos 290 que chegaram de Hamburgo para a Companhia União e Indústria e no dia 29 passou o resto, com destino, todos, à nova Colônia de Paraibuna.

Iam conversando alegremente entre si e pareciam contentes de terem emigrado para um País que em breve lhes proporcionará as vantagens que lhes faleciam em sua Pátria.

Não sabemos se por acaso ou de propósito, todas as vezes que têm passado por aqui os colonos importados pela Companhia União e Indústria, um grupo deles, mais ou menos numeroso, dispensando a condução em carroças segue sempre a pé cantando festivas canções pátrias.

Em uma semana, se movimentando assim os imigrantes alemães chegaram ao seu destino final, a cidade de Juiz de Fora, Estado de Minas Gerais – Colônia D. Pedro II, nas terras que atualmente correspondem aos bairros Borboleta, São Pedro, Democrata, Vale do Ipê, Mariano Procópio, Morro da Glória e Fábrica, onde se estabeleceram, criaram famílias e ajudaram no desenvolvimento da cidade e ainda preservando sua cultura, hábitos e maneira correta de agir, que ainda encontram-se espelhados em seus milhares de descendentes que se espalharam pela região.

Nessa LONGA CAMINHADA, desde o porto de Hamburgo, em 1858, lá na longínqua Alemanha, a família Clemens e seus amigos, cerca de 1.200 pessoas chegaram à Juiz de Fora e até os dias presentes seus descendentes ainda estão caminhando juntos, relembrando os feitos de seus antepassados, na culinária, danças, músicas e a herança de muito trabalho, orações e realizações, através de geração em geração.