MARI & VINI
Mari e Vini completaram um ano de namoro. Vários dias antes foram contando sobre o evento para os amigos e a família. Como estão de férias, tiveram bastante tempo para preparar as comemorações. Ele comprou o telescópio que ela havia descrito tempos atrás e que demonstrara o desejo de possuir. Mas não o entregou embalado para presente ou na caixa. Abriu-o e passou um dia inteiro estudando seu manual, montando tudo peça por peça e fazendo os testes de funcionamento. Para entregá-lo solenemente, contou, ainda, com a inconveniente assistência da família dela, que ouvia atentamente as informações que ele lhe transmitia. Se fosse só isso estava bom, mas teve que ministrar aula interativa à platéia, que fazia muitas perguntas sobre o equipamento o tempo todo.
Em um determinado momento, já envergonhada, eu disse:
- Bem, galera! Vamos deixar os dois sozinhos.
Que nada! Quiseram ver os presentes que ela iria lhe entregar.
Mari havia comprado o DVD raro que Vini desejava e uma lata de chocolates. Por sua vez, também passou o dia anterior montando um álbum com todas as fotos importantes que tiraram juntos e as mensagens que trocaram no celular, MSN e orkut, durante o último ano.
Ela (18), ele (quase 20) têm muita afinidades. Ambos moram no Plano Piloto, em Brasília e têm padrão de vida classe média-média. Em casa, cada um tem um irmão do sexo oposto ao seu e suas mães são professoras de Português.
Cursaram o Ensino Médio no Colégio Militar em períodos diferentes e freqüentam a mesma igreja. Ele já está no segundo ano do curso de Direito na UNB- Universidade de Brasília, enquanto ela está na expectativa de uma vaga para Medicina também na UNB ou na FEPECS -Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde. São ambiciosos e têm muitos projetos em comum. Tudo indica que formam um par perfeito. É uma alegria vê-los tão saudáveis sob todos os aspectos.
Percebo que racionalizam seu tempo e, com isso, descartam, por exemplo, a falácia enganadora dos maus políticos, simplesmente ignorando seus discursos inflamados. Acham graça das distorções e contradições contidas em alguns livros de história e geografia. Analíticos, percebem os limites dos seus familiares e amigos, bem como os seus próprios, mas sorriem e administram as relações pessoais sem atritos. Inexperientes, não abrem mão, no entanto, de todo tipo de informação que possa trazer-lhes um diferencial em relação aos demais na sua faixa etária. Pequenos sábios, não saem impondo suas verdades nem aos mais velhos, nem aos mais novos. Se solicitados a opinar, geralmente informam como agiriam se o caso fosse com eles e vão embora.
Falam pouco em família, mas demonstram o que pensam e sentem com manifestações corporais, com o jeito de olhar e maior ou menor participação em assuntos polêmicos. Usam muito os recursos da internet para pesquisas de trabalhos escolares, de preços dos produtos, das novidades eletrônicas, dos lançamentos de filmes. Assistem a poucos programas de TV e quase não ouvem rádio. Mas estão sempre ligados em música e cinema. Sabem operar qualquer aparelho eletrônico lendo ou sem ler o manual. Quanto a isto, “tiram de letra” em meia hora, por mais complexas que sejam as instruções, enquanto “quebramos a cabeça” dias seguidos para entender.
Esses jovens não se deixam enganar, facilmente. Questionam a qualidade de ensino nas escolas, comparam e checam o que os professores informam. Antes de se matricularem em um curso pré-vestibular ou preparatório para concursos, por exemplo, vão conhecer as acomodações, indagar sobre o método adotado e os custos, navegam no site da empresa e em comunidades que com ela se relacionam, contatam amigos pessoais e virtuais que tenham estudado lá e em outras concorrentes. Quando tomam a decisão, estão convencidos de que escolheram o que há de melhor, pelo melhor preço. Só aí é que comunicam aos pais as suas preferências, apresentando argumentos sólidos e, na maioria das vezes, incontestáveis.
Diferentemente das duas gerações anteriores - uma composta de pequenos revolucionários políticos confusos ou confundidos por questionáveis palavras de ordem; outra completamente “despolitizada” e refém do consumismo induzido, eles marcham firmes em direção a uma revolução silenciosa e obstinada, portando a bandeira do conhecimento científico amplo e sem fronteiras geográficas.
Há que “tirar o chapéu” para essa geração que, como as outras, é sonhadora e idealista, mas com o pé no chão. Parece paradoxal, mas é assim que os vejo e rendo homenagens, desejando-lhes sucesso.
http://www.sandrafayad.prosaeverso.net/
Mari e Vini completaram um ano de namoro. Vários dias antes foram contando sobre o evento para os amigos e a família. Como estão de férias, tiveram bastante tempo para preparar as comemorações. Ele comprou o telescópio que ela havia descrito tempos atrás e que demonstrara o desejo de possuir. Mas não o entregou embalado para presente ou na caixa. Abriu-o e passou um dia inteiro estudando seu manual, montando tudo peça por peça e fazendo os testes de funcionamento. Para entregá-lo solenemente, contou, ainda, com a inconveniente assistência da família dela, que ouvia atentamente as informações que ele lhe transmitia. Se fosse só isso estava bom, mas teve que ministrar aula interativa à platéia, que fazia muitas perguntas sobre o equipamento o tempo todo.
Em um determinado momento, já envergonhada, eu disse:
- Bem, galera! Vamos deixar os dois sozinhos.
Que nada! Quiseram ver os presentes que ela iria lhe entregar.
Mari havia comprado o DVD raro que Vini desejava e uma lata de chocolates. Por sua vez, também passou o dia anterior montando um álbum com todas as fotos importantes que tiraram juntos e as mensagens que trocaram no celular, MSN e orkut, durante o último ano.
Ela (18), ele (quase 20) têm muita afinidades. Ambos moram no Plano Piloto, em Brasília e têm padrão de vida classe média-média. Em casa, cada um tem um irmão do sexo oposto ao seu e suas mães são professoras de Português.
Cursaram o Ensino Médio no Colégio Militar em períodos diferentes e freqüentam a mesma igreja. Ele já está no segundo ano do curso de Direito na UNB- Universidade de Brasília, enquanto ela está na expectativa de uma vaga para Medicina também na UNB ou na FEPECS -Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde. São ambiciosos e têm muitos projetos em comum. Tudo indica que formam um par perfeito. É uma alegria vê-los tão saudáveis sob todos os aspectos.
Percebo que racionalizam seu tempo e, com isso, descartam, por exemplo, a falácia enganadora dos maus políticos, simplesmente ignorando seus discursos inflamados. Acham graça das distorções e contradições contidas em alguns livros de história e geografia. Analíticos, percebem os limites dos seus familiares e amigos, bem como os seus próprios, mas sorriem e administram as relações pessoais sem atritos. Inexperientes, não abrem mão, no entanto, de todo tipo de informação que possa trazer-lhes um diferencial em relação aos demais na sua faixa etária. Pequenos sábios, não saem impondo suas verdades nem aos mais velhos, nem aos mais novos. Se solicitados a opinar, geralmente informam como agiriam se o caso fosse com eles e vão embora.
Falam pouco em família, mas demonstram o que pensam e sentem com manifestações corporais, com o jeito de olhar e maior ou menor participação em assuntos polêmicos. Usam muito os recursos da internet para pesquisas de trabalhos escolares, de preços dos produtos, das novidades eletrônicas, dos lançamentos de filmes. Assistem a poucos programas de TV e quase não ouvem rádio. Mas estão sempre ligados em música e cinema. Sabem operar qualquer aparelho eletrônico lendo ou sem ler o manual. Quanto a isto, “tiram de letra” em meia hora, por mais complexas que sejam as instruções, enquanto “quebramos a cabeça” dias seguidos para entender.
Esses jovens não se deixam enganar, facilmente. Questionam a qualidade de ensino nas escolas, comparam e checam o que os professores informam. Antes de se matricularem em um curso pré-vestibular ou preparatório para concursos, por exemplo, vão conhecer as acomodações, indagar sobre o método adotado e os custos, navegam no site da empresa e em comunidades que com ela se relacionam, contatam amigos pessoais e virtuais que tenham estudado lá e em outras concorrentes. Quando tomam a decisão, estão convencidos de que escolheram o que há de melhor, pelo melhor preço. Só aí é que comunicam aos pais as suas preferências, apresentando argumentos sólidos e, na maioria das vezes, incontestáveis.
Diferentemente das duas gerações anteriores - uma composta de pequenos revolucionários políticos confusos ou confundidos por questionáveis palavras de ordem; outra completamente “despolitizada” e refém do consumismo induzido, eles marcham firmes em direção a uma revolução silenciosa e obstinada, portando a bandeira do conhecimento científico amplo e sem fronteiras geográficas.
Há que “tirar o chapéu” para essa geração que, como as outras, é sonhadora e idealista, mas com o pé no chão. Parece paradoxal, mas é assim que os vejo e rendo homenagens, desejando-lhes sucesso.
http://www.sandrafayad.prosaeverso.net/
Há quem diga que o meu texto lembra este aí abaixo.
Mas, enquanto o redigia, juro que nem me lembrei dessa música, por sinal muito interessante. Pensei, sim , na história dos meus personagens, que é real.
Portanto, qualquer semelhança é mera coincidência.
Eduardo E Mônica
Legião Urbana
Composição: Renato Russo
Quem um dia irá dizer que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer
Que não existe razão?
Eduardo abriu os olhos mas não quis se levantar
Ficou deitado e viu que horas eram
Enquanto Mônica tomava um conhaque
Noutro canto da cidade
Como eles disseram
Eduardo e Mônica um dia se encontraram sem querer
E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer
Um carinha do cursinho do Eduardo que disse
- Tem uma festa legal e a gente quer se divertir
Festa estranha, com gente esquisita
- Eu não tou legal, não agüento mais birita
E a Mônica riu e quis saber um pouco mais
Sobre o boyzinho que tentava impressionar
E o Eduardo, meio tonto, só pensava em ir pra casa
- É quase duas, eu vou me ferrar
Eduardo e Mônica trocaram telefone
Depois telefonaram e decidiram se encontrar
O Eduardo sugeriu uma lanchonete
Mas a Mônica queria ver o filme do Godard
Se encontraram então no parque da cidade
A Mônica de moto e o Eduardo de camelo
O Eduardo achou estranho e melhor não comentar
Mas a menina tinha tinta no cabelo
Eduardo e Mônica eram nada parecidos
Ela era de Leão e ele tinha dezesseis
Ela fazia Medicina e falava alemão
E ele ainda nas aulinhas de inglês
Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus
De Van Gogh e dos Mutantes
Do Caetano e de Rimbaud
E o Eduardo gostava de novela
E jogava futebol-de-botão com seu avô
Ela falava coisas sobre o Planalto Central
Também magia e meditação
E o Eduardo ainda estava
No esquema "escola, cinema, clube, televisão"
E, mesmo com tudo diferente
Veio neles, de repente
Uma vontade de se ver
E os dois se encontravam todo dia
E a vontade crescia
Como tinha de ser
Eduardo e Mônica fizeram natação, fotografia
Teatro, artesanato e foram viajar
A Mônica explicava pro Eduardo
Coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar
Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer
E decidiu trabalhar
E ela se formou no mesmo mês
Que ele passou no vestibular
E os dois comemoraram juntos
E também brigaram juntos, muitas vezes depois
E todo mundo diz que ele completa ela e vice-versa
Que nem feijão com arroz
Construíram uma casa uns dois anos atrás
Mais ou menos quando os gêmeos vieram
Batalharam grana e seguraram legal
A barra mais pesada que tiveram
Eduardo e Mônica voltaram pra Brasília
E a nossa amizade dá saudade no verão
Só que nessas férias não vão viajar
Porque o filhinho do Eduardo
Tá de recuperação
E quem um dia irá dizer que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer
Que não existe razão?