De: S. Potêncio.... Os Gambuzinos (045)


<<... Lá na Vila Viçosa Alentejana, onde outrora a realeza da vida terrestre usufruira de tantos benesses, corria - devagarinho - o ano da graça de 1930, já pelos idos do final do outono, ... quando no dia 8 de Dezembro logo pela manhã, ela se levantou absolutamente inspirada para concluir o ultimo capitulo daquilo que seria a sua escrita lapidar, imortal.
- Fogosa, com um coração desmedido de impulso avassalador.
- Provida que fora pela natureza com um dom inacabável de idealismo sonhador, romântico, temperamental às últimas consequências, ela tirou primeiro o pé esquerdo de debaixo dos lençois e soergueu-se por sobre a ilharga arredondada do quadril direito.
- Levou as palmas das mãos suavemente das ancas até aos mamilos e depois as deixou escorregar por debaixo das axilas para, finalmente elevar os braços ao alto.
- Primeiro em forma escultural dentro do seu corpo de 36 anos de idade, de uma maneira verdadeiramente lânguida, sensual e extremamente feminina, espreguiçando-se completamente antes de se levantar para se dirigir à escrivaninha.
- Ela sentia um tremor no peito absolutamente diferente de todos quantos havia sentido até esse dia, préviamente escolhido por ela e por ser a data do seu aniversário... e por isso mesmo resolveu - ao pegar na caneta de aparo dourado, e antes de o mergulhar no tinteiro estratégicamente colocado ao meio da mesa na sua frente - abrir a gaveta do lado direito onde ela guardava os barbitúricos alucinógenicos, os mentores da veia aberta ao conhecimento literário mais profundo da sua época, e de lá tirou um pequeno frasco de vidro... despejou-o em cima da folha de papel em branco.
- vou tomar só um!,... bem, talvez dois!?,... estou com uma dor de cabeça tão grande!
- É melhor tomar logo uns três, afinal hoje é o dia do meu "cumpleanos" - prontos!, tomo-os todos e acaba-se esta dúvida.
- Ninguém se torna imortal por coisa nenhuma... ou todos são imortais por alguma coisa?!
Levantou-se para ir à cozinha do seu pequeno apartamento, pegou um copo com água e voltou para a escrivaninha.
- Sentou-se pesadamente, apesar do seu corpo leve.
Um a um engoliu os milagrosos pedaços de felicidade sensorial e em plano totalmente espiritual, imobilizada, ela elevou o seu pensamento ao alto,... depois, de um só trago, emborcou o copo de água o qual deixou escorregar algumas gotas pela garganta de alabastro em direção ao sensual vertice do seu colo imaculado.
-Ainda lhe restaram forças para voltar ao leito onde ela foi encontrada...
---Ali estava amortalhada, aquela que foi a nossa mais bela flor da literatura lusa do século vinte buscar... para irmos para o meio do nada!... Florbela Espanca...>>

... a liberdade de expressão tem limites que o ser humano comum não pode jamais alcançar.

Silvino Potêncio/Natal-Brasil - Autor de "Os Gambuzinos" e outras frivolidades virtuais... http://zebico.blog.com/
Silvino Potêncio
Enviado por Silvino Potêncio em 01/05/2012
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