O Livro

Hoje, terminei de ler a última página do livro mais bonito que já li. O livro mais interessante, divertido e sábio de todos aqueles que me atrevi a ler. E livro bom é assim mesmo: deixa aquela sensação de “quero mais”. Aquela sensação de que não poderia ser melhor, mas que bem que poderiam ter mais páginas, capítulos, edições... Por que não virar um filme ou uma série de TV, daquelas bem longas com várias temporadas ou remakes?

Esse livro tem um nome: Eunice Rodrigues de Queiroz. Mas para mim, vai ser sempre “Vovó Didi”. Suas inúmeras histórias sejam elas educativas, desabafos, lembranças ou as mesmas piadas que sempre me faziam rir, como aquela da água de coco, não recomendada para menores de idade.

Hoje, sinto um misto de saudade e alegria. Saudade dos tempos em que morava em sua casa e anos mais tarde em seu apartamento. Quando eu dormia na sua cama, onde logo acima estava armada a sua rede de dormir. No outro dia, enquanto me arrumava para ir ao colégio ela contava com graça das inúmeras pesadas que eu havia acertado em suas costas. Como eu queria mais uma noite dessas! Era como aquele gatinho que ela tinha de estimação, e que por brincadeira arranhava suas pernas, mas por quem ela não queria se desfazer. Ela não reclamava por qualquer coisa. Foi guerreira e desafiou a medicina por várias vezes, além de contribuir para as estatísticas de aumento da expectativa de vida nacional.

Saudade dos tempos em que as Sextas-Feiras Santas eram à sua mesa. Dos seus discursos de Natal e de ver montado seu lindo e enorme presépio. Saudade das nossas confidências, dos nossos abraços e de saber que a cada lista de mercantil, lá em baixo ela dizia à minha mãe: “compre algo para os meninos”. Saudade dos meus dias de aniversário, quando recebia um pequeno envelope com um recado escrito a mão e uma cédula de vinte reais. Como eu queria mais um desses bilhetes!

Enquanto escrevo, vozinha, não consigo conter as lágrimas, pois as lembranças são muitas. Elas tomam contam de minha mente a uma velocidade incalculável. É como diz a canção: “Tenho certeza que vou te encontrar. Não sei o dia e a hora, mas sei o lugar. Sei que você está bem. Mesmo assim, isso não me impede de chorar”. Mas aí, vem o outro lado: a alegria.

Embora, já soubesse que suas preces estavam sempre direcionadas a nossa família; agora, mais do que nunca, ela estará rezando por nós e com nós. Só que agora, bem pertinho do Pai. Temos que aceitar que a nossa saudade é pequena diante daquela que ela deveria ter por já quem partiu dessa vida. Sabemos bem disso. Hoje, sonhos com festas se tornam realidade. Não aqui, mas no Céu. Como diz a Palavra: “Na casa de meu Pai, há muitas moradas”. É nisso que devemos crer.

Essa mulher é um exemplo para mim de sabedoria, justiça, integridade, compromisso com a família e união. Um sinal de que esse mundo ainda tem jeito. De que ainda existem pessoas por quem vale a pena lutar. Não se enganem: sempre haverá por quem lutar. E aquele seu jeitinho continua dentro de cada um de nós. Se alguém disse que a raiz dessa família se foi, saiba que ela cresceu e deixou muitos frutos. Todavia, a raiz ainda está lá. Basta que saibamos enxergar. Ela estará em cada reunião de família, em cada lar, em cada paróquia, em cada coração por onde ela passou e, enfim, permaneceu.

Fico com minha última experiência com ela. Quando ela segurou forte minha mão e, não podendo falar, juntou os lábios como quem manda um beijo. Fico com seu sorriso enorme. Com sua beleza de caráter. Com suas palavras de sabedoria e suas “tiradas” geniais. Com sua lucidez. Com a mulher que não descansou e mostrou que aos noventa anos era capaz de fazer seu próprio vestido de aniversário. Uma cabeça e um coração que não cabiam dentro de seu corpo, que não cabiam mais nesse mundo. Tenho a impressão de que essa foi a verdadeira causa de sua morte. Ou devo dizer: de seu nascimento?

Um neto, somente.