Silêncio

Passar um dia junto com o silêncio, esse foi o meu domingo. Garoando em sampa, saí para comprar pão, em silêncio e voltei com o silêncio. Entrei no quarto em silêncio, interrompido pela ligação da minha mãe, mas depois voltei ao silêncio. Dormi com ele ontem e fui me deitar com ele também. Na sexta andei mais de 10 km pela linda cidade de sampa, e foi aí que meu pacto começou com o silêncio.

Engraçado como nós nos tornamos tão perceptíveis a coisas tão simples quando deixamos o silêncio falar em nós.

As luzes da rebouças estava tão nítidas, os carros passavam tão lentamente, curtindo o início do final de semana, sem a pressa louca da segunda feira.

Andei pacas, no início da paulista alguns moradores de ruas eram alimentados por algumas pessoas com um sopão e leite, interessante esses atos. A fome morrendo em silêncio e dando lugar ao bom sono, por mais que seja numa calçada.

Entrei na paulista, núcleo do Brasil, como disse a um amigo esses dias, a Central do Brasil talvez esteja alí. Avenida maravilhosa, inicia-se numa reta da consolação em direção ao Paraíso, mas o caminho é inverso, inicia-se no paraíso e acaba na consolação, alguns dizem que é como uma relação. Estava a pé, por que não tinha o dinheiro completo para o metrô, estava vindo do fim e uma relação, acabara ali uma história que pensei que fosse eterna, mas acho que não será nessa vida que será eterna. Como diria Vinícius foi eterno sim, enquanto durou.

Mas como sigo em frente o caminho figurativo, saindo da consolação, indo para o Paraíso, em rumo a Liberdade. Parece um grito de alforria, mas não é, pois moro na Liberdade. rsrsrs...

E lá fui eu com o meu silêncio, duas horas e meia com ele, e ouvindo muita coisa, aliás, faço sempre isso, converso sempre com ele, comigo, conosco. Somos um verbo conjugado no plural, posso afirmar.

E lá estava eu rumo a minha casa, mas estando na minha casa, afinal, acho que o mundo é minha casa. Não tenho lar, tenho territórios, conquisto-os e perco-os, e nessa lida vou caminhando com o meu amigo homenageado de hoje, o silêncio, afinal ele sempre seguirá comigo.

Cheguei as 1:40 na minha casa, que não é minha, e ali novamente fiquei em silêncio, depois de uma breve conversa sobre os últimos capítulos da novela da minha vida, com o meu amigo que mora comigo e que no outro dia, ia para o interior, junto a sua namorada e família.

Era para eu fazer o mesmo, mas precisando tomar algumas decisões, decidi ficar, e foi uma ótima ideia, afinal, irei na semana que vem, que tem um feriadão e ficarei mais dias junto com a minha linda família e minha filha.

No sábado, lá estava eu. Sozinho? Acho um crime falar que estamos sozinho conosco mesmo. Eu tenho uma diversidade tão grande de pessoas dentro de mim, que nunca me sinto sozinho. Solidão não combina comigo, nem quando estou sozinho. Estava eu ali com meus fantasmas e meus heróis, com meus medos e minhas coragens, e o silêncio reinando. Ora ele dava lugar a uma música, ora ele sussurrava uma música, ora eu falava sobre o que via na TV e ora ele me falava coisas que nem estava pensando.

Papo de louco esse? Acho que não. Seria um absurdo depois de tudo o que já vivi, e depois de tanto tempo vivendo com o silêncio, falar que é loucura estar só, compreendendo a voz do silêncio eu me sinto muito bem acompanhado. Acho que tem muito segredo que somente nú e em silêncio podemos saber. Acho que o silêncio nos leva ao cume de uma montanha interna que só podemos alcançar nessa primorosa companhia. A noite ia sair, mas acho que o silêncio falou com o universo e articulou coisas para que isso não acontecesse. Ia num lugar que iria ficar em silêncio, era uma concentração, uma meditação banhada ao vinho das almas, mas quis o silêncio que eu ficasse ali, com ele, e assim aconteceu, hoje em dia compreendo melhor esses fatos, não sou mais uma criança esperando pirulitos do mundo e dos acontecimentos. Dessa forma não há mais teimosia em muitas das minhas atitudes, as vezes a osmose é a melhor forma de viver, e na maioria das vezes a preguiça e a inação lhe impedem de cometer alguns vícios e pecados para o corpo e alma.

E lá estava eu, uma noite toda em silêncio, assisti alguns bons filmes na TV cultura, uma séria que nunca tinha visto, e depois dormi em paz com o silêncio, que me presenteou com bons sonhos. Foi uma noite fantástica, vivi aventuras e desbravei o meu inconsciente com alguns sonhos que afirmam para mim que algumas coisas estão realmente firmadas. Melhor que sonhar é acordar, e ver que a vida não é um sonho, e tão menos um pesadelo.

Acordei nesse ambiente que não nos libera tanta serotonina como um dia de sol, na falta dela, tomei um comprimido de fluoxetina, que até agora está me tirando o sono. Bestialidades a parte, não muda em nada no meu corpo, apenas me tira o sono, mas ele já está vindo, com o silêncio.

Estou aqui agora, nesse exato momento, ouvindo uma música que me remete a 1992, Metal contra as nuvens, tinha 11 anos na época e já curtia muito a Legião Urbana, mal sabia eu que faria parte dessa legião em São Paulo.

Renato fala: - "Não sou escravo de ninguém, ninguém senhor do meu domínio "... e é assim que me sinto. Raio, relâmpago e trovão, sou metal, eu sou o ouro em seu brasão, sou metal, quem sabe o sopro do dragão. Palavras se juntam com pensar, e parece que as palavras ditas, é o silêncio a me falar.

Nessa época, tinha sonhos em minhas mãos, por incrível que pareça, apesar de ser muito comunicativo, desde criança gostava muito desse meu velho companheiro, o silêncio. E nessa época, começando a criar uma personalidade, curtia muito os loucos pensamentos que sempre tive, como esse. Comecei a escrever com 13 anos, beijei com 11 anos, e sempre fui antecipando coisas em minha vida. Vivi o pior do silêncio aos 15 anos, mas na verdade hoje sei que não era o seu pior, era a minha primeira desilusão do mundo. Ali nascia o poeta que ainda não nasceu. Ali nascia o homem que queria liberdade, e que hoje está na Liberdade com toda liberdade do mundo para se lançar ao mundo, apesar de já estar em liberdade há muito tempo, do que lhe prendia.

"Tenho um sentido já dormente, o corpo quer a alma entende, essa é a terra de ninguém"...sussurra Renato em sua bela canção e fala mais uma vez ao meu coração.

"Não me entrego sem lutar, tenho ainda coração, não aprendi a me render, que caia o inimigo então", e com essas estrofes, acho melhor eu saber que "TUDO PASSA, TUDO PASSARÁ, MAS TUDO PASSA, TUDO PASSARÁ..."

Cada dia que passa, em que tudo passa, o que mais fico solicito, é curtir cada vez mais esse amigo que nunca me abandonará...

Até quando o real silêncio vier, ele ali estará. E nada será dito, e tudo estará selado. "temos muito ainda pra fazer, não olhe para trás, o mundo começa agora, apenas começamos..."

Obrigado grande amigo...Obrigado silêncio...

Fernando Lobos.

São Paulo.

23 de abril de 2012