A Dama Paulista e o Vagabundo Carioca.
E eu me pergunto, já quase sem aguentar como é que tanta entrega burra foi destinada justamente a única pessoa no mundo capaz de criar em mim uma vontade homicida. Porque, meu Deus? Por quê? Com tanto homem bom, honesto, decente... Com tanto homem que mente para mim, me prometendo mundos e fundos... Porque justamente ele? Aquele Carioca que deixa entrelinhas palavras que não consigo entender? Dessa vez, eu quis fazer diferente... Por favor, não se apaixone por mim, por favor, não... Eu repetia sem parar entre sussurros soluçados carregados com lagrimas que tinham o gosto de amêndoas queimadas... Eu nunca quis que ele se apaixonasse por mim, porque se ele gostasse de mim um pouquinho, por um segundo se quer, eu o levaria em minha alma, junto a toda a podridão deprimente de minha vida para a eternidade.
Eu quis ser diferente de mim mesma que acabei sendo tão eu com ele que eu mesma me tornei o eufemismo de mim... Quando foi que ele furou a película impenetrável de meu coração que sem pureza, rasgado, dilacerado, torturado... Conseguir enfim, depois de longos anos sendo comandado por meu cérebro, tornar-se o rei soberano? Por que meu Deus? Por quê?
Agir certo, não falar palavrões, meninas moças educadas e comportadas agem como se fossem bonequinhas de porcelana. Eu não gosto de você e por não gostar de você, percebi um pouco tardiamente que você virou uma doença para mim, eu não gosto de você e não penso em você... Mais todos os dias eu arrumo desculpas fajutas para falar o quão patético seu jeito é, o quanto eu odeio o seu sorriso, o como você consegue me irritar só me olhando pela tela fria de um computador que parece se corroer com o calor que sinto toda vez que me pego encantada te olhando... E minha melhor amiga é minha melhor confidente, é ela quem aguenta quando sei que você não está em casa, ela me escuta e me entende como nem eu mesma entendo e é ela que sempre acalma minha alma sedenta por um pouco de drama em minha vida piegas. É ela quem acolhe a doença que se instala em meu corpo quando eu, fraca e deprimida já não aguento mais passar por seções diárias de quimioterapia para me livrar desse câncer que digere meu corpo a cada dia.
E ele não é como os caras que eu já conheci, ele me dá bom dia, ele me chama de apelidos carinhosos, ele dividiu comigo momentos mais íntimos do que eu já dividi com o meu ex-namorado. Eu não sei como denominar a relação que eu tenho com ele, o vagabundo carioca não é meu amigo apesar de conhecer minha alma como só minha melhor amiga chegou a conhecer... Ele não é meu namorado... Ele não é o homem que beija minha testa todas as noites me desejando boa noite... O homem nem se quer tem responsabilidades ou um cargo em minha vida, ele simplesmente chegou, se instalou e se mantém mesmo sobre a situação precária que o quartinho dos fundos vagos em meu coração o oferece.
Eu não sou uma dama e ele não é um vagabundo, eu nem sei como o ofender quando fico de frente para o fato assustador de que ele realmente possa sentir algo por mim... Eu não sei o que sentir como ele sorri de lado porque fiz algum comentário estúpido... E ele é o único homem que entende o meu senso de humor infantil, que quer completar minha fantasia de ter uma casinha confortável e dois filhos que pulariam em nossa cama de madruga... Ele é o único homem tão homem que sabe o que quer e isso me assusta. Assusta porque eu sei que não sou mulher para ele, quando o certo e o errado se uniam tornam-se polos diferentes que se repudiam... Eu nunca o toquei, não sei qual é o perfume de sua pele e muito menos o gosto de seus lábios, mais em minha cabeça desordenadamente apaixonada eu nos vejo na sala de uma casa pequenina e bagunçada, deitados em um tapete felpudo, com as pernas entrelaçadas, assistindo um filme B ruim qualquer que nos arranque gargalhadas sem sentido...
Ele nunca vai conhecer meus pais, nós nunca vamos dormir juntos, eu nunca vou sentir nossos lábios unidos e nunca o escutarei falando para o seu melhor amigo que eu sou a mulher certa, que ele me esperou durante a vida inteira e que agora, depois de tanto tempo, todo o passado pode ser esquecido ao por do sol para que nós, eu e ele comecemos uma vida nova, uma vida nossa, do nosso jeitinho, com cheiro de roupa limpinha e amaciante... É o pior relacionamento do mundo porque eu me sinto presa, encurralada, ameaçada... Eu quero que ele suma, mais sei que se sumir vai levar junto metade do meu corpo que eu jamais vou recuperar.
E a verdade é que eu sou a Vagabunda Paulista que precisa ser recuperada, a menina manhosa e medrosa que chora todas as vezes que sai para algum lugar... Talvez eu só precise que ele se torne a minha Dama que me recupere da sarjeta e me leve para morar na mansão de seus braços.