CARRO ANTIGO...

          Com direito a alavanca, buzina de caminhão, espumando pelas ruas, assim vivia o velho "Dão"...Galego, de olhos azuis, ajudante de feiras, sofrendo de deficiência  mental,  não dispensava seu "Biomóvel " nas pequenas viagens que fazia de um trecho a outro pela região, fazendo mandados, levando e trazendo recados, assim, procedia o pobre coitado, às custas de algum trocado.
          Dirigia seu carro por simulação. Gostava de estacionar em frente ao Centro Esportivo de Camaragibe, onde funcionava a escola do Profº Luís. Quando algum pedido lhe era feito,  de pronto estava preparado, denotando alegria, pois sabia que teria naquele momento como presente duas coisas que gostava muito de fazer : receber alguns  trocados e dirigir o seu Biomóvel pelas ruas da cidade. Simulava rodar a alavanca de ignição, ligava o carro e nele entrava batendo a porta com tamanha envergadura...corpo projetado para frente, direção nas mãos, buzina e motor na garganta, engatava suas marchas e circulando até o destino traçado, fazendo o que lhe devia, voltava suado, transmitia o que podia, apesar de sua dificuldade em emitir qualquer palavra, mas conseguia se comunicar após muito esforço e com a ajuda do dono do recado....
          Comparando-se o velho Dão ao Motorzinho atual, cada um dentro de suas  características genuinamente particulares, são exemplos vivos de dignidade, apesar de toda e qualquer dificuldade inerente a vida de cada um ...Se ainda vivo, com certeza,  já teria demonstrado coragem e dito ser o seu carro  o mais antigo da cidade e, talvez, viesse a compor uma frota de automóveis imaginários ( Biomóveis), juntamente com o "Motorzinho" ...que anda livre pelas ruas e praças, estimulando a curiosidade ...
          Pois é Dão ! Você também fez história...Atentos aos seus movimentos, alguns olhinhos de criança, não dispensavam nenhum movimento,  e guardaram como lembranças, o prazer de tê-lo visto em pleno ato contínuo de sua apresentação. Faço-lhe, então, através de lembranças expressas através da escrita, o registro de sua passagem, com honras e méritos pela sua coragem, de ter contribuído em transformar um cenário de pura melancolia, num ambiente de alegria no teatro de rua da cidade.