Discurso de Mylton Ottoni na solenidade em que recebeu a cidadania sorocabana

Não pode ser diferente

Minhas primeiras palavras são de agradecimento:

– a Deus por permitir que vivesse o suficiente para vibrar com a emoção que sinto, neste momento;

– a meus entes queridos, desde meus pais Octavio e Marina que mostraram o Norte à minha vida;

– à companheira abnegada de 42 anos de vida em comum, minha esposa Maria Ignez;

– meus filhos Marcelo e Maurício que acenam com segurança a continuidade da honradez do nome Ottoni;

– a minha nora Ingrid e meus netos Maria Julia, Ana Flávia e Caio.

– ao Sr. Dr. Francisco Moko Yabiku, vereador à Câmara de Vereadores de Sorocaba que apresentou o projeto de concessão de cidadania sorocabana; e aos membros dessa mesma Câmara que acolheram e aprovaram essa concessão que muito me honra e, sem dúvida, transforma este dia, este momento, num dos mais felizes de minha existência.

– aos meus amigos atuais, aqui, presentes, ou não; aos amigos de tempos passados que a vida se encarregou de distanciar do nosso convívio e àqueles que hoje curtem a amizade do Criador.

– aos oradores que me precederam e que falaram muito mais o que sentem seus bondosos corações do que propriamente a razão.

(pausa)

– Interessante, sinto a necessidade de fazer uma confissão.

E, melhor ainda, porque posso fazê-la em público.

Isto tudo que a cidade de Sorocaba faz comigo neste dia: a concessão do título de cidadão e todo este cerimonial com a marcante presença deste número enorme de amigos que vêem testemunhar e dar aval ao fato, parece que, no meu íntimo, está a preencher um vazio que nem eu sabia que existia.

Sinto isso numa satisfação interior que não sei definir, mas que passa uma sensação enorme de tranqüilidade, pois entendo ser o reconhecimento de nosso trabalho.

COMO TUDO COMEÇOU:

Nas primeiras décadas do século vinte, em Cabreúva, onde nasci, corria um dito popular que dizia, mais ou menos, o seguinte:

– “Ao nascer uma criança, quando caia o seu umbigo, o pai atirava esse detalhe que acabara de cair contra uma parede. Se o mesmo ficasse grudado por algum tempo, o recém-nascido teria talento e seria um artista, provavelmente músico como Erotides de Campos, ou escritor como Monsenhor Paulo Florêncio da Silveira Camargo, ambos gênios cabreuvanos.

Se caísse de imediato teria de mudar para Itu, para trabalhar”.

Comigo deve ter acontecido a segunda hipótese.

Nasci, no sopé da Serra da Guachanduva, na Fazenda Figueira Branca, que então pertencia à família.

Com apenas 8 meses de idade, meus pais mudam para Itu, onde vivi praticamente todos os meus dias.

Apesar de apenas ter nascido em Cabreúva, nutro por aquela terra e pelo seu povo uma estima profunda que se traduz de vez em sempre, numa vontade enorme de visitá-la, e, então, arrumo uma desculpa, a maioria das vezes esfarrapada, como se diz, para concretizar a visita. Devo lembrar que lá também, repousam meus antepassados.

Já ITU, sempre esteve presente, forte, na minha existência, o que estabeleceu uma simbiose entre minha vida e a cidade.

A infância e adolescência vivi com intensidade tal que não posso reclamar como muitos, que dizem, “quando podia não fiz e, agora, que não posso, tenho vontade de fazer”.

A medida que crescia, a vida moldava minha personalidade, e, guiado por um pai extremamente austero, rígido, zeloso, porém, amigo e companheiro, que além de procurar ensinar o bom caminho, foi meu mestre, nas pescarias e caçadas, que passou a ser minha diversão preferida, sendo que pela caça acabei ficando apaixonado no meu entender, ou fanático na opinião de minha esposa.

Isso tudo não impediu que praticasse muitos outros esportes como futebol, por exemplo.

ESCOLA

Todos temos uma escola que marca nossa vida. A minha foi o então Instituto de Educação “Regente Feijó”, escola referência, com direção e quadro docente exemplares, comando firme e humano do Prof. João dos Santos Bispo. Lembro neste momento um trecho do seu hino que ressoa em nossa mente, lembrando a verdade maior: “Só com honra se vence na vida, dada a Pátria, cumprindo o dever”.

Aos 18 anos, apesar de filho único fui incorporado ao Regimento Deodoro para servir à Pátria.

Foi, sem dúvida, outra grande escola que freqüentei.

O tempo passava, o sonho de ser geólogo morria lentamente.

Acabei me formando professor, mais por necessidade que por vocação. Mesmo assim fui à luta e lecionei, sem decepcionar, alguns anos em Araçariguama, Piedade e Salto, indo, finalmente, para Itu, no Francisco Nardy Filho.

Esse período, de 1961 a 1964, foi o único em que me afastei de Itu.

Já no “Nardy Filho”, alguns anos depois, exonerei-me do Magistério para administrar a empresa que havia criado alguns anos antes e que era dirigida pela minha esposa.

Nesta altura da vida, lecionando e trabalhando, praticando o hobby que amava (a caça) e auto-definido como apolítico convicto, preferia o conforto do anonimato.

Mas é, neste momento, mais precisamente em agosto de 1970, que surge em minha vida uma instituição a qual muito devo. Pelas mãos de Luis Fernandes da Costa, o inesquecível “Caicó”, entro para o Rotary que, pela sua filosofia só tem lugar para quem soma e multiplica. Perfeitamente identificado com o mesmo, dediquei bom tempo de meus dias a estudar e trabalhar rotariamente, mas, por mais que tenha feito, não conseguirei, simbolicamente, pagar tudo o que recebi do Rotary, principalmente, quanto ao número imenso de amigos que angariei no meu clube, e nas áreas dos atuais distritos 4620 e 4310, que, para os não-rotarianos identificarem melhor, é mais ou menos, a chamada região caipira do nosso estado.

AGORA, SOROCABA.

Foi o crescimento de nossa empresa, acima citada, que permitiu, tempos depois, a incorporação do segmento editorial à mesma.

E foi essa atividade que me trouxe de volta a Sorocaba, onde já gozava da amizade de inúmeros companheiros rotários.

A atividade editorial, aliada a um grande número de escritores, nesta terra pródiga, criou um novo círculo de amizades, que prezo muito. Deixo de destacar nomes por estimar a todos igualmente e por receio de omitir algum, o que seria imperdoável.

Outro fato marcante foi meu ingresso no Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba o que permitiu e permite que trabalhe naquilo de que mais gosto: Resgate da História da cidade, como já havia feito em Itu.

Isso tudo teve um importante facilitador de nosso trabalho: A enorme semelhança histórica entre Itu e Sorocaba.

Peço licença para uma rápida análise deste fato, e, para tanto solicito que voltemos ao passado, mais exatamente para os primeiros tempos de São Paulo.

E para iniciar, vou repetir ou plagear, o imortal poeta Paulo Bonfim, que assim escreve:

“Ah! Se Parnaíba não existisse!

Se Manoel Fernandes Ramos jamais houvesse encontrado Suzana Dias, a matriz dos bandeirantes André, Baltazar e Domingos, os chamados Fernandes Povoadores não teriam nascido para fundar Itu e Sorocaba.

Ah! Se Parnaíba não existisse, que silêncio desceria sobre a História de São Paulo!”.

Como vemos, Itu e Sorocaba, minhas cidades, são irmãs, simbolicamente, paridas do útero de Suzana Dias, a matrona singular do São Paulo dos primeiros tempos, responsável maior pela transmissão genética da fibra, do espírito paulista tão decantado como honrado pelos próprios, quanto admirado e respeitado pelos outros.

Itu e Sorocaba se assemelham, historicamente.

Fundadas por irmãos se destacaram como plantadoras de cidades, principalmente, pelos dois movimentos expansionistas mais importantes de nossa história; o bandeirismo e o tropeirismo.

Outra semelhança: figuras de real destaque povoam a história de ambas: os Lemes, os Pachecos, Feijó, João Tibiriçá, Prudente de Moraes, Pascoal Moreira Cabral Leme, Tobias de Aguiar, Almeida Junior, Dom Aguirre, Luiz Matheus Maylasky, Antonio Pereira Inácio, Abel Cardoso Junior e outros.

Outra semelhança muito significativa: ambas tiveram grandes escritores a contar suas histórias. Destacamos os dois monstros sagrados da historiografia do interior paulista: Francisco Nardy Filho, por Itu e Aluísio de Almeida, por Sorocaba. Cada um deles com uma produção que só encontra semelhança em qualidade e volume na do outro.

É exatamente neste cenário fértil que aparece o trabalho do editor, especialmente aquele que acredita na importância de levar aos cidadãos o conhecimento de sua terra, achando, inclusive, que esse procedimento deva iniciar-se na infância, para que o indivíduo cresça, conhecendo e por conhecer, amando sua terra, seja ela natal ou adotada.

Aliás, acreditamos tanto nesse procedimento que temos, lá na saída, livros da História de Sorocaba para Crianças, de Aluísio de Almeida, para que os senhores e senhoras levem. Apenas com uma condição básica: entregar à uma criança, seja filho, sobrinho, filho do vizinho ou melhor ainda, se for uma criança de rua.

Desculpem-me, senhores, o alongar neste tema, mas o fizemos acreditando que tenha sido este trabalho, esse proceder nosso, o fator maior a justificar, junto ao legislativo da cidade, a concessão deste honroso título.

Sendo isto verdade, ou não, serve, no entanto, para lembrar a todos nós ituanos e sorocabanos, a responsabilidade que temos para com o berço de tantos fatos históricos importantes para o Brasil, honrados por um grande número de filhos ilustres que nos antecederam.

Lembrar que a nossa responsabilidade de reverter para a Comunidade, parte daquilo tudo de bom que dela recebemos, diretamente proporcional à capacidade de cada um e a função ou cargo que exercemos na atividade cotidiana, é acima de tudo, manifestação de um entendimento perfeito do que é viver em comunidade e de profundo patriotismo.

Se, como entendem alguns, esse sentimento está desaparecendo gradativamente em nosso país, em decorrência de pressões externas e ou de governos centrais fracos que temos tido, façamos de Itu e Sorocaba exemplos de reação a esse deterioramento do que convencionamos chamar de “brasilidade”.

E, já como sorocabano, neste momento único e sublime para mim, invoco o direito de fazer um pedido: Peço a Deus que faça com que as forças atuantes desta terra forte, se unam na busca do seu progresso equilibrado, da melhora de vida de seus cidadãos, e, principalmente, da manutenção da identidade histórica do vínculo maior que nos uniu nesta cerimônia: SOROCABA.

Douglas Lara
Enviado por Douglas Lara em 24/01/2007
Código do texto: T356792