Jerônimo Andrade Torres: um amigo, uma saudade

                                 Ygor da Silva Coelho



Foi para mim uma surpresa a passagem de Dr. Jerônimo para outra dimensão de vida. Acostumei-me a ver sua caminhada para o consultório diariamente, a trocar rápidas palavras, a falar da fruta-pão que tenho no jardim da minha casa, a falar de amenidades e a ver o seu riso. Dr. Jerônimo era uma daquelas pessoas que o sorriso denuncia de imediato o carinho pelo próximo. Comigo era assim, irradiava carinho, atenção, energia positiva.

Falar de Dr. Jerônimo para mim é fácil, difícil é aceitar o fato de não ter dialogado com ele mais vezes, ter conversado mais, filosofado sobre a vida e sobre histórias de nossa cidade.

É fácil falar de Dr. Jerônimo porque foi uma das primeiras pessoas que conheci, quando cheguei a Cruz das Almas, em 1964, vindo de Itabuna, com apenas 15 anos de idade, para cursar o científico no Colégio Alberto Torres. Eu trazia uma pequena bagagem, muita vontade de estudar e uma cárie que me incomodava. Como iniciar os estudos com aquela baita dor de dente? Como enfrentar Professor Noé, Prof. Afonso Ramos, Prof. Candinho e Floriano Mendonça, aquelas “feras”, se eu nem dormindo estava? Recorri a Dr. Jerônimo que me livrou da dor de dente. Não apenas isto, pois, figura humana extraordinária, ele se sensibilizou com a maturidade daquele quase menino, que chegava sozinho em terras estranhas para construir um futuro, e nada cobrou pelo seu trabalho. A partir daí ganhou a minha simpatia, tornou-se meu amigo.

Mas o fato mais interessante da minha convivência com Dr. Jerônimo aconteceu no meu casamento, em 1974. Não foi um casamento pequeno, mas como não tínhamos um cerimonial, as coisas eram um tanto improvisadas. Na véspera da cerimônia religiosa lembraram-me da necessidade de dar um brilho nas alianças.

- Quem faz isto, se não tem ourives em Cruz das Almas?

- Dr. Jerônimo, informaram-me. Prontamente, levei as alianças para Dr. Jerônimo e fui cuidar dos outros assuntos. Chegou a hora do casamento, entrei na igreja, paletó branco, padre Neiva celebrando o matrimônio e eu ajoelhado me perguntando atormentado: Meu Deus, esqueci as alianças no dentista! O padre é rigoroso, o que eu vou dizer quando ele pedir? O padre pediu e na exata hora Dr. Jerônimo me passou as alianças discretamente. Foi ele o nosso guarda de honra, o meu anjo da guarda. Por pouco não tomei um carão do padre! Há poucos dias lembrávamos e ríamos deste fato.

Visitei Dr. Jerônimo no dia em que se sentiu mal. Respirava com auxílio de um aparelho, mas se dizia melhor, ria no estilo dele, conversava normalmente. Falamos até da fruta-pão. Para mim era um mal passageiro, ainda íamos sorrir muitas outras vezes das alianças do casamento e de outros assuntos. Mas o destino nos pregou a surpresa e abreviou a sua passagem na terra, nos tirou o seu convívio, o seu sorriso.

Narro estes fatos porque a trajetória e a minha convivência com Dr. Jerônimo sempre foi marcada com alegria. E sinto que devo dizer que ele foi um exemplo de compreensão, humildade, serenidade, educação, gentileza, respeito, cidadania. Suas atitudes e virtudes devem ser disseminadas entre as gerações de homens e mulheres do nosso meio, da nossa cidade. Se tomássemos Dr. Jerônimo como exemplo o mundo seria bem melhor.

Não lhe dei um abraço e nem lhe apertei as mãos na visita que fiz ao hospital, ciente da sua rápida recuperação. E ele se foi. Mas o brilho do seu olhar generoso permanece e eu sinto a cada vez que passo pelo pé de fruta-pão no jardim da minha casa, que ele admirava e pedia para sempre preservar.

Ygor Coelho
Enviado por Ygor Coelho em 17/03/2012
Reeditado em 17/03/2012
Código do texto: T3560312
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