ALMAS BENDITAS

Com intuito de magno êxito

Um festim ocorria nessa cidade.

Era o casório d’uma moça airosa um tanto

Que inda estava em puberdade.

Casava-se quiçá não sabia

Que em épocas próximas ou distantes

Haveria de ter filhos um dia

E, chorando n’aquele instante

A Deus do céu valer-se-ia.

Passaram-se os anos, quão o deslizar da ema.

Agora não mais é uma menina púbere,

É uma mãe que d’outras não se difere;

Aderindo nos braços, o filhinho a doar-lhe as mamas.

E, filtrando noites de vigílias,

Noites plenas de insônia

À cabeceira do filho ou filha,

Sem alimentar-se, com a vida enfadonha,

Para a vida salvar-lhes, a sua expunha.

Os filhos em conjunto cresceram

Ao calor da mãe pujante,

A pobre oriunda esqueceram,

No presente estão distante.

Não lembram do leite sugado,

Dos prantos por ela derramado,

Das vezes que a fizeram levantar em mortas noites,

Envolta num lençol, do vento levando açoites.

Quanta gente; hoje, os dois somente!

Não havendo com quem mais palestrar,

Os dois insípidos vão sentar

Em cadeiras de abalanço; em oarísto

Permanecem afligindo-se por tudo isto.

E, o homem obsoleto começa a falar:

- Ó minha velha querida,

Lembras? No início éramos apenas dois;

Mais tarde apareceram nossos filhos, nos enchendo a vida.

Eu te indagava: - Agora somos muitos, mas...e depois?

Jamais quisestes me responder

Pensavas tu, que a felicidade fosse eterna.

Que nossos frutos não vínhamos a perder;

Que ditosa fosse tua classe - a materna.

Não usufruístes o evento,

Nas mãos, hoje não o mais tens;

Foi ele arrastado por um rude vento:

Algoz que o levou para o além.

E, nossos filhos, nos sangram, displicentes

Igual distante maltratam o coração da gente.

Ouvindo, a idosa velha, tais palavras;

À sua cabeça surgiu súbitos pensamentos.

Qual de um vulcão, turbilhão de lavas

Articulou pro ancião quase sem alento:

- Meu velho, isto não digas,

Assim o diálogo não pode continuar;

Suas palavras são cáusticas, causando-me fadiga,

Se prosseguires desta maneira, irei me retirar.

É verdade; nossos filhos de nossa casa se foram,

Igual destarte estou contente,

Sei que toda essa gente

Chorando antes de partir, a minha face beijou.

A sina da mulher é esta,

O casamento pra ela é uma festa;

Mais tarde exsurgindo o primogênito,

Sendo mãe tem início o sofrimento.

Vigília, lucubração, insônia, dores.

Sofrimentos e mais sofrimentos,

Inda com isto, nos filhos vê todas as cores,

Vê uma via Láctea, vê um total firmamento.

Hoje, todos distantes, estão fora de alcance.

Não ouvem nossos chamados.

Nós, qual num jogo, perdemos o lance.

Não vêm, nem sentem nossos prantos derramados.

- Ó minha velha tens tu razão,

Por isto vou te seguir.

Abristes o meu coração:

Pro amor, pra dor, pra tudo que há de vir.

Lágrimas por duas faces rolaram,

Quando tais palavras foram ditas;

Os dois nessa hora se abraçaram,

Eram duas almas benditas!

Zé Salvador
Enviado por Zé Salvador em 13/01/2007
Código do texto: T345751
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