MEU PAI
As lembranças que tenho do meu pai quando criança, é como se fosse um sonho. Às vezes lhe via chegando ou saindo na labuta diária; ia e vinha da caça, com espingarda e patrona
( espécie de bolsa feita do leite da seringueira, própria para guardar mantimentos dos caçadores) a tira-colo, sua roupa surrada e seu olhar cansado; outras vezes chegava com um paneiro (espécie de cesta) carregado de mandioca pendurado em suas costas e caminhava para a casa de farinha, onde seria trabalhada a mandioca para fabricação da farinha, que fazia parte do sustento da família..
Sempre achei meu pai, um homem muito bonito, quando se arrumava para alguma festa, eu chegava a desconhecê-lo. Mas era sempre sério e um pouco afastado de mim. Não me lembro se ele me carregou no colo, talvez quando eu era bem pequena.
Lembro-me que ele levava meus irmãos e eu para rezar na capela, e ensinava-nos a fazer o sinal da cruz.
O jeito sério de meu pai, fazia com que eu sentisse uma espécie de medo de me aproximar dele. Tantas vezes senti vontade de sentar em seu colo, abraçá-lo e beijá-lo, mas tinha receio de ele não gostar e brigar comigo.
Havia momento que ele parecia mais alegre, e até contava histórias engraçadíssimas e ria com agente.
Algumas vezes o via tocando um instrumento, acho que era chamado de rabeca. Gostava muito de ouvi-lo tocar e cantar com aquele olhar distante dali. Às vezes eu e meus irmãos, ficávamos ao redor dele querendo tocar e cantar com ele. Esse era um dos raros momentos que víamos alegre.
Tinha época que passávamos muito tempo sem vê-lo. Mamãe explicava que ele estava trabalhando em outra localidade para melhorarmos de vida. Fui crescendo e aprendendo a gostar e aceitar meu pai do jeito que ele era; percebia que mesmo tendo aquele jeito durão nos amava muito.
Certo dia, não lembro quantos anos eu tinha, fiquei com muito medo de perdê-lo.
Vi mamãe aflita chorando muito, minha avó desmaiava, meus tios estavam agitados...Tio Sabá, que era uma espécie de líder da família, procurava acalmar todo mundo. Mesmo preocupado e aflito, era ele que preparava o remédio e fazia com que meu pai tomasse.
Fiquei sabendo que toda aquela aflição da família, era porque o meu pai tinha sido picado por uma cobra de nome pico-de-jaca, e estava entre a vida e a morte; como dizia meu avô 2 ( irmão do meu avô) o qual chamávamos de vovô Lulu.
Fiquei num canto bem quietinha, escutando os gemidos do meu pai; meu coração batia rápido, fazendo com que eu sentisse vontade de chorar. Não entendia bem a gravidade da situação, mas pelas expressões dos rostos das pessoas que entravam e saiam da casa onde ele estava; percebia-se que meu pai corria risco de morte. De repente não ouvi mais os gemidos do meu pai, apenas os soluços de minha mãe e tias e os comentários dos desmaios da vovó, imaginavam que o papai havia falecido. As pessoas falavam baixinho: - Não, ele não morreu, está apenas sem sentido; - Mas do jeito que ele está poderá morrer de uma hora para outra; - Esta cobra é muito venenosa, quando não mata, aleija.
Tio Sabá incansavelmente preparava o remédio e fazia meu pai tomar. Ele tomava e vomitava muito, e o tio dava novamente.
Não sei quanto tempo durou essa agonia. Só sei que o remédio do tio Sabá, salvou meu pai.
Ele levou muito tempo para se recuperar, as pessoas comentavam que ele tivera muita sorte, por não ter morrido e nem ficado aleijado.
Quando mudamos para Porto Velho, fez tratamento para ficar totalmente curado do veneno da cobra, que segundos os médicos, ainda estava alojado no seu organismo.
Trabalhando muito e ganhando pouco, meu pai lutou bastante em busca de uma vida melhor para sua família; com ajuda incansável da minha mãe.
Sem estudo; seu trabalho era pesado, trabalhou em fazenda cuidando dos animais, em serraria beneficiando madeira, em firmas de segurança, sendo vigilante noturno... nos finais de semana, ainda encontrava forças para fazer sua caçada, a fim de aumentar a opção de alimento da família.
Não época de adolescente, eu não tive uma boa convivência com meu pai, devido não concordar com o que ele achava certo ou errado. Tivemos alguns desentendimentos, mas nada que afetasse o meu sentimento afetivo por ele. Hoje entendo que ele sempre quis o melhor para todos nós.
Atualmente minha convivência com ele é muito boa; nos tornamos mais amigos e mais próximos, e está sempre disposto a me ajudar quando preciso dele.
Nasceu em 1931, é uma pessoa forte e alegre; dança, brinca com os netos, conta piada e faz piada da sua própria história de vida, fazendo agente ri muito.
É religioso, mas não fanático; participa das atividades na igreja, tem suas venerações.
Não tenho muito tempo de estar com ele, mas de vez enquanto estamos juntos e conversamos recordando muitas vezes histórias da sua juventude, me pede opinião sobre alguns assuntos que lhe interessa; recordamos alguma coisa engraçada do passado e damos boas gargalhadas.
AMO MEU PAI, E SOU GRATA A DEUS PELA SUA EXISTÊNCIA