Fragaria daltoniana
A morangueira faz nos morangos todos uma casca de chocolate que já nasce-lhes em adendo, que já vem gelada e que já racha-se ao toque branco dos dentes. Os morangos que a morangueira planta florescem já gigantes, do tamanho de maçãs, e no pé já possuem leite condensado escapando-lhe de dentro vez ou outra, quando não é o chocolate branco que nasce dos cabos e faz das folhagens um imenso cacaueiro. Ela se senta com as pernas descruzadas mas com os joelhos colados e coloca sobre o colo os vasos de barro cozido. Ela conversa com as frésias, flores-de-cera e lisimáquias.
Queria elogiar-te. Você é assunto digno disto independente da recepção. Eu sempre me dei ao prazer da recompensa e continuo a construir-te. Você é minha iconografia e é, como só poderia ser se eu fosse encarar algo como melhor que os outros, absolutamente factual. Tem a beleza de um argumento. Mas por favor deixe-se elogiar. Se tira-me o prazer do rubor, faz-me uma dor. Se tira-me o prazer do bandeirante, faz-me uma dor. É egoísmo meu pedir, mas a morangueira sempre sorri em lisonjeio e embarca na sugestão fatídica de que é bela. E a morangueira é em toda ela verdade e verão. E seu verão é fresco. E seu inverno é fresco.
A morangueira planta os frutos todos perfeitos. Nenhum de seus morangos nasce anexo e nenhuma das folhas vem sem o gosto doce do açúcar que elas todas separadas têm. E ela é a prova contra tudo e da ciência não resta nada. A morangueira é suficiente e autodidata.
Queira sentar-se aqui, é onde você me contou sobre as verdades da vida. Contou-me das capuchinhas, coromandeis e das dálias e crisântemos. As coisas sempre te passam e você as observa com humildade. Como você pode? é de tanta audácia. Obrigado porque você se preocupa, obrigado porque você está aqui, obrigado porque está também mesmo na ausência, obrigado porque compreende, obrigado porque se esforça, mas diz-me: te embaraça e te complica ouvir este todo? Eu não quero ser o sombrio e não quero, em igual, deixar de falar-te as verdades que merece. As verdades que merece são de um doce igual ao cacaueiro que nasce de debaixo do pé de morangos que a morangueira planta. A morangueira só origina beleza na biologia que ela semeia. Você me permite? os morangueiros da morangueira não têm espinhos.
Quando a morangueira está com sono fica com cara de doente. Não é cancro nem é exaustivo, até seu extremo tem o perdão das linhas e ela gripa, ela gripa. E até neste canto ela fica linda e a morangueira te observa. E dela se tem ciúmes, e nela se faz orgulho, e para ela se olha com admiração, porque a morangueira consegue ficar bonita de gripe e sono. Não são as namoradas que fazem medo se pode haver algo tal qual elogio em demasia. Destas desquita-se e elas passam, vão embora. A morangueira é permanente porque te pune com saudade de verdade. A morangueira te coloca esse medo, mas você acata. É da natureza dela, deixar-se ter porque é bela e o que é belo aprecia. A morangueira é bonita quando acorda e durante todo o dia.
Fica aberto o juramento por ser isto então uma trilogia. Se te vigiam ou se te pedem ou se você mesma se desconforta agora por causa disto que apareceu. É autônomo porque, como disse-lhe, não me dou com os que se enamoram de mim como se enamorados fossem nem dos que exigem de mim como se exigir pudessem. Tem de ficar claro também que não é desejo o que sinto, que os morangos que a morangueira planta nunca nascem com dimorfismos e que todos eles têm de 6 a 8 folhas ao redor do talo. Ficarei só eu e a morangueira, se for o caso. Separar você da morangueira seria como passar uma faca em um dos morangos e olhar o vazio que dentro deles há; seria tal como o morango e os frutos que nele estão e destes frutos então a semente. Só eles sabem, os morangos, que eles são na verdade todos de mentira.
Quando se anda por entre eles você observa como as gotas de chocolate chovem sobre a plantação e como a enxurrada desliza pelos canais. Se é de manhã e gear, os grãos de açúcar ficam espalhados sobre as folhas ásperas. Ontem encontrei uma folha de chocolate amargo.
Perdoe-me a sinceridade, mas você é toda uma conquista. Faz-me abrandar os olhos e dormir a pele porque tranquiliza-me só das arestas dos seus olhos, me torna ameno. O coração está todo dividido nos pedaços que colocaste sobre a mesa, isto que em ti é sincero e me causa admiração. Eu não me alongaria se não fosse tudo o que eu digo absolutamente sincero e genuíno, do fundo haplóide de minha alma, do primeiro ao último gomo da planta e em cada um dos vasos com afelandras, astromélias e bálsamos no jardim. Eu percebo no teu rubor, tudo isto que você merece. Você é a gérbera e suas 64 pétalas, seus três andares de lâminas, todo o esplendor que a orquídea não tem.