COM OS VERSOS DO CÂNTICO NEGRO
E assim termina o magnífico CÂNTICO NEGRO, do grande JOSÉ RÉGIO:
"Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei para onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!"
Poeta, tomo para mim o espírito destes versos, como Fernando Pessoa tomou para si o espírito dos versos dos navegadores antigos. Minha vida já não é vendaval que se soltou nem onda que se alevantou. Minha vida se deixou prender, deixou-se sentenciar.
Meu coração sem rumo... assim como meus passos. Minha alma escondida entre objetos e fotos e versos antigos. O Sol sempre pelo lado de fora da minha janela. As feridas asas dos meus dois pássaros, o de fora e o de dentro.
Ainda assim, Poeta, as misérias e os desconcertos todos não conseguiram matar-me completamente, há ainda em indeterminado lugar de mim alguma vida que insiste existir e essa alguma vida, rebeldemente, consegue neste instante dizer contigo, Poeta, dizer, com teus versos:
Não sei para onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!
Republicação no início da madrugada de 19 de dezembro de 2011.