COLETÂNEA DOS NOVENTA ANOS

Ao querido mestre Manlio Nápoli:

Não é todo dia que se faz noventa anos e ele magistralmente os completou com merecida comemoração.

No grande evento trazia consigo trezentos convidados, amigos de várias gerações, muitos deles fiéis participantes e também contadores da história da sua vida, inclusive profissional, vivida dentro dum grande hospital da Capital aonde também exerceu com maestria missão de livre-docente como ortopedista fundador do instituto do pé.

Figurativa missão. Favoreceria muitas caminhadas...

Nunca conheci ninguém que tenha caminhado como ele, na lucidez dos seus noventa anos de Homem, de mestre doutor, de literato, de marido, de amigo, de cidadão.

Tão de repente como o tempo que chega, os trompetes lhe soaram na sua já mais lenta caminhada e então os violinos nos sopraram sua chegada magistral como quem chega duma performance perfeita a desenlaçar as fitas das vitórias pela vida.

Missão nada fácil, porém mais que possível a de chegar.

O que me gritava: a compostura da sua geração, a de formandos há quase setenta anos, entre as demais gerações compostas de muitos de seus ex- alunos, mestres mais atuais, que também trazem consigo a tão defendida ética entre colegas e amigos de outrora, o respeito, a delicadeza, a importância da palavra prometida, a cordialidade, o compromisso, o puxar das cadeiras para que todos pudessem compartilhar da mesma mesa da festa da vida e também do dever do ofício cumprido com precisão.

Tempos remotos o que descrevo...decerto que sim, a nos gritar o contraste de todas as transformações sociais que hoje tão arduamente enfrentamos.

Ali era como se a história viva de muitos dos seus contemporâneos das primeiras turmas da Universidade de São Paulo nos desfilassem as glórias dos tempos áureos, clássicos ensinamentos sempre vivos(?) que de repente pareciam recém saídos do livros didáticos que norteariam as gerações da posteridade.

Pelo salão a orquestra reverenciava os devotos homens de todos os já remotos e saudosos tempos.

-Vamos valsar?

Um clássico e tão elegante homem não se permitiria fugir da erudição de Strauss, porque a qualidade de todas as artes nunca deveria se negar ao contexto de qualquer tempo.

Há sentidos que permanecem para sempre.

Dei-lhe um abraço apertado, lhe cochichei um "parabéns" e percebi que ali eu representava a mais distante da sua geração, algo que também se seguiu à revelia do tempo do querido mestre, eterno mestre de tantos pés que seguiram por outros tempos.

Não é todo dia que se completa noventa anos com tanta classe: aquela prima classe que enobrece os homens ricos de alma, de coração e de conhecimento, riqueza intangível que tempo algum conseguiria carcomer.

Por um suave instante me senti num tempo errado, e desejei ardentemente pertencer à sua mesma linhagem temporal de tão grandes e remotos "HOMENS".