PEQUENA HOMENAGEM AOS REIS
LOVE IS A MANY SPLENDORE THING. De novo assistimos ao filme e choramos pela amada a ver a imagem do amado morto descendo a colina para tomá-la pela mão... pela mão... Choramos, no coração do apartamento solitário, pelos sonhos mortos... nossos mortos... a vida que não houve do rei e da rainha jamais coroados... jamais coroados... jamais. O filme apagou, mantivemos a penumbra. Estendeste as mãos e enlaçados, dançamos por um tempo sem tempo ao som de Love is a many splendore thing. Ainda guardo nas mãos as tuas lágrimas de ontem. Não/secam./É/tarde/demais./É/tarde.
O rei aqui nascido, vindo de longes terras, o rei a trazer nas mãos os poemas da eternidade nossa, tão nossa como a estrela cadente que cai na alma e fica... insuspeita e secreta como toda estrela que se preze. O rei em fuga dos próprios calabouços para a liberdade provisória de nós nos fios dos nós sem desate no manto da tarde que há tempos e mundos demasiados não nos pertence mais. Não nos pertence mais, mas continua a cantar e a chorar incessante em nossas veias artérias ossos pele renúncias de todas as naturezas... para sempre...
SEMPRE/TARDE/NA/TARDE/SEMPRE/O/TEMPO/QUE/NUNCA/MAIS/ACABA/DE MORRER.
O rei que abandonei com palavras rudes. O rei, estrangeiro rei, rei companheiro de corpo noites dias rios ruas vida adentro vida afora. Incógnito rei no meio do mundo, no vazio do mundo. Rei de repente sem descendência. Rei solitário carvalho. Rei que não mais me contém nas próprias entranhas. Rei diante de cuja ausência me quedo em silêncio, bastarda. Rei que bani do nosso reino, com seis palavras mal-ditas. É/ tarde/ demais. É/ tarde/demais. É tarde.
Um rei que veio do nada e ficou batendo à porta, com palavras do futuro. Ficou batendo à porta, que mantive fechada. Um rei do país de onde vem meu nome. Decerto de algum passado comum, remotíssimo, incógnito. Decerto. Mantive a porta fechada. É tarde, rei, irremediavelmente tarde. Procura outra rainha que possa reconhecer-te. Deixa-me aqui entre os meus, pranteando-lhes as vidas dolorosas, coladas à minha. Deixa-me velar os sonhos dos meus reis. Deixa-me aqui, a velar os deles, os nossos sonhos mortos, orando por todos nós ao Deus único.
DESDE ANTES DE ENTRARES E NÃO ENTRARÁS, É TARDE. É MUITO TARDE.
SOU UMA RAINHA PÓSTUMA A CHORAR POR NÓS... A CHORAR POR NÓS... A CHORAR POR NÓS... SÓ A NÃO CHORAR PELO REI QUE MANDEI PARTIR ANTES DE LHE DAR A CHANCE DE ENTRAR... UMA RAINHA PÓSTUMA A CHORAR... A CHORAR PELO QUE QUASE FOMOS TODOS... A CHORAR PELO QUE PODERÍAMOS TER SIDO... A CHORAR PELO QUE JAMAIS JAMAIS JAMAIS JAMAIS EM TEMPO NENHUM HAVEREMOS DE SER...
UMA RAINHA PÓSTUMA DE SI MESMA... PÓSTUMA DE SI MESMA... PÓSTUMA DE SI.
Republicação, mais uma vez, na manhã de 06 de dezembro de 2011.