Panela da vó

A comida cabia bem

de cheiro bom que só

era sim todo dia

naquela panela da vó.

Comprava temperos,

às vezes, ervas do quintal

mas sempre fazia segredo

sobre o toque final.

Com os netos pequenos

e cheios de manhas

era preciso fazer mágica!

Nessa lembrança

não se pode esquecer

da casa simples e paulistana

margeada de terra e amor.

Uma pequena queda d'água

já dizia o nome do bairro.

Aos domingos,

uma feira-livre decorava a rua

e os amigos chegavam

para o almoço.

A comida cabia bem

de cheiro bom que só

era sim todo dia

naquela panela da vó.

Xi, ficou doente...

lá vem a vó com seus mil remédios...

Chá de guaco, cabelo de milho,

para a filha ou para o filho

funciona igual!

Vejam, quando não resolvia

entrava em ação os benzimentos da tia.

Reza chiava no canto da boca,

um maço de alecrim e guiné

para cortar o mau olhado

e pronto! Tá novo em folha José!

Animais? Muitos!

Inclusive uma prole felina

que vinha do quintal vizinho.

Gatos, cinquenta gatos.

O esforço da limpeza,

também custou uma amizade.

Havia algo de errado

na política da boa vizinhança.

(Acho que os gatos

também sentiam o cheiro das panelas...)

A comida cabia bem

de cheiro bom que só

era sim todo dia

naquela panela da vó.

O cão de pêlos pretos

e de raça não definida

mal queria saber

de demarcar território,

pulava o portão de lanças

e ia feliz para a vadiagem.

Voltava somente para o jantar

pensando nas pensões

que haveria de pagar.

Depois do cão, agora um carneiro!

Ao toque de uma sineta,

a mãe já corria para a rua

atrás de um fotógrafo idoso

que levava o tal carneiro multicolorido.

Puxando uma mini-charrete

o carneiro gemia de tédio.

A mãe acomodava os filhos para a foto

que seria de monóculo, pagava

e saia toda satisfeita com o resultado.

As crianças iriam adorar ver aquilo

quando crescidas, de fato!

Vem comer menino, tá na hora de jantar!

A comida cabia bem

de cheiro bom que só

era sim todo dia

naquela panela da vó.

O pai vinha do varejão

com a sacola cheia de verduras murchas.

Perdia sempre o almoço dominical.

Também... Pudera!

Existia uma parada no caminho.

Nessa parada, muita gente alegre,

falando alto e com o copo na mão.

Então, de mãos ocupadas,

a alegria tomava conta do seu ser.

Horas depois, chegava em casa

faminto e sentimental,

era a hora do desabafo.

Bafo, bafo, bafo!

Passado o efeito do anestésico

era hora de revirar a caixa de remédios.

Purgante, xarope, sal de frutas...

Nada disso!

A cabeça estourava.

Queria logo o cura-cajibrina,

claro, estamos falando da... aspirina!

Curou-se e curou-se bem.

Tempos depois mudou também

o rumo da parada no caminho.

Nessa parada, muita gente alegre,

falando alto e com as mãos para cima!

Glória, glória! Aleluia!

(E nunca mais perdeu

o horário das refeições).

A comida cabia bem

de cheiro bom que só

era sim todo dia

naquela panela da vó.

Não foi por falta de conselho

que o neto ainda pequeno se convenceu

de deixar os frascos de perfume em paz.

Não pensem que gostava apenas do cheiro.

Fechava a porta do quarto

e os desfrutava como bebida.

Acreditem, nem passava mal!

A neta preferia a geladeira,

nem alcançava ainda todas as prateleiras

mas sempre dava o seu jeitinho.

Ela era fã do pote de margarina.

As mãos se transformavam em colher

e o alimento era consumido sem pecado!

Casto. Purinho da Silva!

Mas o tempo tratou de salvar

os frascos de perfume

e potes de margarina.

Com os netos crescidos

não tem mais bagunça e nem nada,

agora a vó fica mais descansada.

A comida cabia bem

de cheiro bom que só

era sim todo dia

naquela panela da vó.

Felix Ventura
Enviado por Felix Ventura em 04/11/2011
Código do texto: T3317428
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