SAUDADE DO CINE UNIÃO

Barra do Mendes hoje conta com quase 20 mil habitantes, é uma pena que o IBGE não capacita de forma correta os recensiadores, e muitos, envolvidos em questões políticas, agindo às vezes como oposicionistas ao poder público local, não fazem entrevistas completas e, muitas vezes, centenas de pessoas não são recenseadas, eu por exemplo, nunca fui entrevistado por um destes profissionais. Mas isso é uma outra história. O assunto aqui é outro: A SAUDADE DO CINE DE BIDÃO, OU CINE UNIÃO.

Mas, como eu vinha dizendo, Barra do Mendes hoje é muito populosa, e, as vezes, mesmo morando aqui, ficamos muito tempo sem rever os velhos amigos e as velhas amigas. Até mesmo aquelas pessoas que foram muito importantes pra nós no passado, como as nossas professoras, por exemplo, raramente reencontram com a gente. Um dia desses, aproveitando alguns momentos de folga, fui à Praça da Matriz, a famosa Praça Dep. Nestor Coelho. Era um domingo de sol. Assim que terminei de assistir o Globo Rural, sair pra descansar um pouco, pois tinha muitas atividades para fazer no decorrer daquele dia. E, ali na praça, vendo alguns amigos prozeando no Bar do Lico, outros sentados na Tendinha de Lelê, mais abaixo alguns outros em volta do Bar do Dozinho, me veio uma saudade muito grande do nosso querido sergipano Bidão. Isso mesmo, o Bidão do Cine União. Fiz uma volta na praça, caminhando ao léu, e sentei em frente a um banco do jardim, bem em frente ao antigo Cine União. Lá hoje funciona apenas um depósito da família. Hoje em poder dos filhos, pois tanto o Sr. Bidão como D. Valdete ja são falecidos. Fiquei ali, lembrando como aquele ponto ali era movimentado. O bar, que fica ao lado, e que ainda funciona sob os cuidados de Hélio, também tinha um movimento muito grande. Fui ali que aprendi a jogar sinuca. E lembrando dos meus amigos, parceiros deste jogo, lembrei-me também da grande rivalidade. Meus principais rivais eram Zé Rui e Almir de Dedeza. Sempre um queria ganhar do outro, nós três vivíamos numa disputa sem fim. Quando chegava a noite, tudo era mágico. Nossa, como esquecer os filmes do herói Tarzan, Hércules, Macister. Como esquecer dos filmes Ben Hur e os 10 Mandamentos? Sansão e Dalila, Uma Janela Para o Céu, Noviça Rebelde, Sangue em Santa Maria? E os filmes do Sérgio Reis e Teixeirinha? O Chumbo Quente de Leo Canhoto e Robertinho? E, naquele exato momento de nostalgia, veio uma pessoa e sentou ao meu lado. Eu estava tão vidrado no Cine União, tão cego com as lembranças que nem notei a pessoa sentada ao meu lado. Foi preciso ela me dar um beliscão pra eu voltar a realidade. Era a minha antiga professora Licinha de Zuza. Ela estranhou. Você meu amigo, por aqui, uma hora dessa? Que raridade! O que faz aqui tão cedo, em pleno domingo, logo você, que assim que termina o programa do rádio, sai correndo para gravar os programas sertanejos na televisão? Apenas soltei um leve sorriso e lhe dei um abraço. Ha muito tempo que eu não reencontrava com minha querida professora de história. E até hoje eu so cumprimento ela com esta referência: Bom dia minha antiga professora de história. Ela sempre me responde com humor: Nossa Eduardo, vendo você assim, ja de cabelos grisalhos e chamando-me de antiga professora de história, eu me sinto bem velha mesma. O sorisso é mútuo. Por ali ficamos horas conversando. Nossa, sairam tantas histórias do passado de nossa terra, que em 50 páginas nao daria pra contá-las aqui. E em meio a tantos assuntos, eu perguntei a minha ex-professora: Querida Nicinha, na sua opinião, quem foi a sua melhor professora, ou o seu melhor professor? E, sem demora ela respondeu: Eduardo, você vai até estranhar a minha resposta e deve até discordar de mim: na verdade eu tive dois grandes professores: Meu pai Zuza Gordo e o Cine União. Com meu pai aprendi a ser honesta e a enfrentar os desafios da vida de cabeça erguida. Quando meu pai levantava 4 horas da manhã, eu acordava tambem. Ela fazia tanto barulho na cozinha preparando o café que nao tinha como não acordar. As vezes eu falava: Pai, por que tens que ir ao trabalho assim tão cedo? Oh! Minha filha, no dia que você crescer um pouco mais vai saber que todo esse sacrifício é por sua causa e dos outros filhos. Preciso botar vocês em boas escolas e por isso tenho que trabalhar muito e até logo que ja estou atrasado, as vacas ja estão me esperando com as tetas cheias de leite. Soltava uma gargalhada como era de costume e saia para a sua rotina diária. Não sei onde meu encontrava tanta força, tanta energia pra assim que chegar do curral, ainda voltar pra roça e às 11 horas ja estava de volta pra trabalhar na sua vendinha la na Praça Nova. À tarde ia molhar os canteiros na beira do açude e ainda voltava pra venda. Aquilo ele fazia todo santo dia. Isso pra mim foi um grande aprendizado e foi sempre pensando na luta dele que devorei cada página de livro como se estivesse muitos dias sem me alimentar. Fiz até o impossível para agradar meu pai e mostrar minha gratidão por tudo que ele fez por mim. Me formei e sei que dei minha valiosa contribuição como professora da minha terra. Ele se sentia orgulhoso e compensado por isso. Foi o meu melhor professor. O Cine União, me mostrou um mundo novo, um mundo desconhecido. Conheci o mar através dos filmes que passavam la. Muitos cantores e artistas famosos passei a conhecer no Cine União. Assistir muitos filmes de história, documentários, filmes de elevada cultura, que fizeram melhorar o meu intelecto e me acentuar no conhecimento do mundo e da vida. Agradeço imensamente ao Sr. Bidão por nos presentar todas as noites com histórias maravilhosas. Vim tomar conhecimento da história de Lampião e Maria Bonita la tambem, no Cine União. Passei uma semana dando aulas de história, baseado em tudo que anotei assistindo ao filme Lampião e Maria Bonita.

Menino, nem elevador eu conhecia. Vi pela primeira vez no cinema. E, partindo pra o lado da nostalgia, me vem uma lembrança saudável dos namoros inocentes, que eram iniciados dentro do Cine União. Os amigos e as amigas que a gente reencontrava quase todas as noites. E pela manhã, no outro dia, nas rodas de amigos, era todo mundo falando do filme da noite anterior. Aquilo enriquecia a gente. Nos enchia de conhecimentos. Tenho na minha mente o Cine União como a mais importante instituição cultural de nossa terra. Quando olhei pra ela, a minha ex-professora estava com os olhos molhados de emoção e de saudade. Tambem molhei meus olhos, não deu pra resistir. Contei pra ele que eu estava sentado ali pensando a mesma coisa, na importância que o Cine União teve em nossa vida. E ela, finalizou: Sempre que lembro do Cine União um filme passa em minha mente. Lembro principalmente da minha saudosa irmã Lia, que jamais perdia um filme e gostava de sentar no colo de pai contando as histórias do filme que ela assistia na noite anterior. Quando me lembro do filme Os 10 Mandamentos, eu choro de saudade de mãe, pois ela adorava este filme. Nos abraçamos mais uma vez, e nos despedimos, prometendo nos reencontrar novamente pra contármos outras histórias da nossa terra e da nossa gente. Outras histórias do Cine União ainda vou contar por aqui. Termino este relato com os olhos molhados de saudade. Saudade da minha gente e daquela outra Barra do Mendes, daquela Barra do Mendes da minha infância.

Eduardo Mendonça
Enviado por Eduardo Mendonça em 22/09/2011
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