Cães

Todos os homens nessa vida são submetidos á certos desafios, muitos desafios.

Quem ainda não teve que viver uma situação onde um sintoma de desanimo, medo ou ira se apoderou e quase o fez desistir de tudo?

Uma vez em meu trabalho tive que me submeter á uma situação em que envolvia vida de muitos cães, isso mesmo! Muitos cães.

Nunca imaginei que estaria vivendo uma situação em que estaria de mãos atadas, e no meu sentimento, abalado e ferido, sendo eu uma vitima, e os pobres cães os vitimados. Digo eu sendo uma vitima, por que ao vivenciar a situação cheguei me sentir um “vitima das circunstancias” onde uma necessidade era maior que qualquer outra coisa, por se tratar do meu trabalho.

Estava vivendo o ano de 1999, em uma cidade do interior. Eu acordava pela manha muito cedo, e me dirigia para a rodoviária da cidade assim começava meu dia, pela rodovia, dentro de um ônibus lotado até o centro da grande metrópole.

Na empresa que estava trabalhando eu ocupava uma vaga de “vigilante” entre outros 3.000 funcionários que também eram vigilantes. Estava designado a trabalhar na zoonose e por ironia quando ouvi dizer essa palavra “zoonoses” não imaginava como iria ser o meu pesadelo.

Naquela altura estava pulando de um lado para outro sem um posto certo, havia encerrado um contrato onde era o vigilante efetivo, e com isso vivia de um lado para outro na espera que surgisse um posto de acordo entre a distância que eu morava, havia toda uma política da empresa em que tínhamos que seguir, e com isso acabei por ser designado á ir fazer a implantação de novos guardas que iriam assumir a segurança no centro de zoonoses. Assim começa o maior desafio que um admirador de pequeninas criaturas pode vir a sofrer, dentro de um centro onde se é feito desde a autopsia até o castra mento dos pequeninos cães tão amigos. Lembro-me perfeitamente que entre os oito guardas que estavam fazendo a implantação éramos apenas dois que mais se assustaram com tudo aquilo que passamos a ver de face nua e crua. Sabíamos que todo centro de tratamento e reabilitação envolveria também certos cuidados e tudo era possível acontecer, porque quando me deparei com um freezer, que dentro havia um, dois ou três cães congelados para analises, pude me certificar que o ambiente era mesmo de certa estranheza. O mais horripilante foi ter a curiosidade e abrir a porta de uma sala que mais parecia um centro cirúrgico e La dentro ver um crânio de um cão de raça “pastor alemão” serrado ao meio, tudo aquilo passou a ser uma jornada muito macabra. Ao sair pelas manhas passou a ser um fúnebre e triste passo dado para a jornada de trabalho.

Não queria pensar nas coisas que vinham se revelando e ao passo da curiosidade vinham tornando-se frias e assustadoras. Eu observava o dia-a- dia dentro do centro, eram doze horas exaustivas e tinha que driblar essas horas para não me sentir um nada. Dentro do centro havia ruas arvorejadas e pequenos jardins muito bem cuidados, veterinários iam e vinham por todos os lados durante o dia inteiro, havia lindas meninas vestidas de branco, e nos éramos responsáveis pela triagem na portaria e também pelas rondas internas por dentro de toda unidade.Estávamos em nossa batalha diária, e as vezes fazíamos comentários entre nos do período diurno, sempre vazava alguma gafe do plantão noturno tipo!! “‘Os guardas da noite viram um cão muito grande andando lá fora e já era mais de meia noite ”” Ou: “Ouvi um uivo de um cão e parecia que ele estava sofrendo”” Toda essa conversa era muito comentada por nos e os plantonistas da noite. Essa época eu estava trabalhando no período diurno, e com isso fiquei responsável pela ronda, responsável por rondar pela unidade observando qualquer situação que fosse um desacato, uma invasão, pessoas não autorizadas, o que quase sempre acontecia.

De tudo o que passou a ser rotineiro, que passou a ser a arte do oficio, uma coisa ficou, e essa coisa que ficou marcou pra sempre, porque era como um fel na boca ,era um sentimento de agonia e tristeza, uma força contrária, um universo sombrio, um coração sangrando, um frio nos ossos, um vazio no coração, a pior de todas as sensações passou a viver dentro de mim.

Em uma das minhas rondas já se aproximava das 18:00 hs e estava ansioso para ir embora, lembro-me que alguma força me atraia para La sempre nesses horários, e aquilo era muito forte,e exatamente La era o centro nervoso da zoonoses, porque La estavam as jaulas, os canis, La ficavam todos os cães que eram apanhados na rua pela famosa carrocinha.Eles eram colocados em canis separados e também separados entre eles, cães de raça , vira-latas, e aqueles mais tristonhos dos mais espertinhos... Aquilo era uma coisa impressionante de se ver, porque é um universo dos cães, La seus dias estão contados, La não há como fugir, La eles sentam quietos e relaxam o strees da caçada brutal de laço e fuga. Ok!! Foi exatamente nesse universo que fui parar, e sem poder agir, de mãos atadas assistindo a tudo, tentando driblar tamanha situação que um amante da natureza e cães foi ter. Os dias passaram a ser pesados, em um desses dias eu estava muito perceptivo, era como se aqueles pequeninos me atraiam para suas celas, eu estava em ronda quando me vi olhando para aquelas criaturas com seus olhinhos brilhando para mim.... Por Deuss!!! Eu não conseguia entender porque todos olhavam assim... Com aquelas carinhas expressando alegria e medo. E nesse olhar e nesse tentar entender foi que algo aconteceu, e foi a peça chave de todo aquele horror expresso em necessidade ”A DE TER QUE MANTER A CIDADE LIMPA” Foi a peça chave para todo entendimento do teatro dos horrores.

Em um dos corredores das jaulas estava La uma veterinária abaixada com o rosto muito perto de um cãozinho que estava lambendo suas mãos pelos espaços da tela, e quando eu reparei aquela ação linda percebi também que ela estava com um rosto de quem segurava para não chorar, mas não pode evitar de me deixar ver que ela secava pequenas lagrimas que saiam dos olhos. O momento foi de uma grande revelação para mim porque entendi tudo, aquele sentimento que me permeava também, eu tentava enganar minha vontade de chorar, enganava minha comunicação com os cães, enganava a mim mesmo. O que mais me fez sentir e abalar toda minha estrutura foi sentir que eles, os cães, estavam aproximando-se dos dias finais de suas vidas, porque na medida em que os dias iam passando eles avançavam de jaulas, passavam de uma jaula para outra, e se teus antigos donos não os procurassem, o termino de suas vidas era uma vacina letal. Sim!! Todos aqueles que estavam ali seriam mortos. E era muito cruel, muito distante de meu entendimento, não podia entender por que. Um relapso de consciência se apoderou de mim, e pude ler nos olhos daquelas criaturas o socorro expresso em pavor e medo... Desespero desejo de serem compreendidos por aqueles que colocassem suas caras ali e dessem um minuto de atenção ao universo canino.Não pude conter uma lagrima intrusa que surgiu repentinamente, meu coração foi feito em pedaços, e aqueles pequeninos cães não estariam ali mais no dia seguinte. Senti uma vontade imensa de libertar todos os cães... Eu levarei isso comigo pra sempre, porque fui incapaz, fui um homem do controle, fui um homem da metrópole, fui mais um homem frio que pensa como os grandes homens de grandes capitais. Horas!É preciso manter a cidade limpa. Quando no final do expediente tomei rumo de casa meu sentimento não permitia mais que voltasse para aquele lugar, eu estava muito triste, cruzei avenidas movimentadas sentindo o dióxido de carbono me sufocar, um gosto de amônia na boca, uma vontade de vomitar, uma ânsia de poder voltar de gritar de dizer coisas para quem fosse o responsável por tamanha crueldade, um naturalista vivia em mim, um protetor dos animais, eu estava em um lugar errado, não queria mas ter um pesadelo acordado.

Estava acabado quando cheguei a minha casa, tentei me distrair e já era hora de dormir e aquela visão permaneceu ate meu ultimo momento consciente e Deus me deu o sono para apagar aquela imagem.Outro dia chegou,e a rotina é a vida de braços fortes e La estava eu novamente no ônibus na rodovia indo para o trabalho. Enganando meus sentimentos, ao chegar ao trabalho as coisas aconteciam como acontecem sempre, nada de anormal, afinal o tempo não para, e uma das maiores graças que Deus me deu foi a de que minhas férias haviam vencido e meu inspetor acabava de ligar dizendo para mim que no dia seguinte eu estava entrando de férias, agradeci a Deus, e quando estava um pouco sozinho no decorrer do dia senti uma lagrima se apoderar de mim e sair pelo cantos dos olhos, mas foi de alegria por saber que não iria mais ficar naquele lugar.E foi isso exatamente o que aconteceu.Ganhei o tempo necessário para que houvesse outra implantação, ocorreu isso exatamente.

Hoje me tornei mais simples com os animais, sempre fui um amante dos pequeninos cães, já tive cães, e acredito ter o curado de uma doença pela fé de que existe também um Deus dos cães, que o protege com amor. Já vi pessoas que choram quando conseguem que alguém ou alguma instituição independente ajudem a salvar pequenos animais abandonados. Penso que somos capazes de fazer vibrar uma energia de harmonia com eles os cães, e que também existe sim um universo mais sincero, oculto, claro que sim, e que somente nos é revelado se existir a harmonia, o amor e envolvimento, e se não houver ousadia passaremos despercebidos ao universo dos animais, principalmente eles os cães que estão por todos os lugares como sabemos. Esse texto é em homenagem aos pequeninos abandonados que estão por ai lutando pela sobrevivência nesse mundo de meu Deus.

jrobertomxnomvm
Enviado por jrobertomxnomvm em 09/09/2011
Reeditado em 25/08/2012
Código do texto: T3210413
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