Tributo a Lispector
Há um livro que descobri recentemente e gostaria de recomendar. Trata-se de “A descoberta do mundo”, de Clarice Lispector. São crônicas que foram publicadas aos sábados no Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, de 1967 a 1973.
Embora sob o formato de crônicas, é pura poesia. Foi meu livro de cabeceira por vários meses, eu que não costumo ser fiel a nenhum autor. Durmo ora com Kafka, ora com Machado, Dostoievski, Eça ou Drummond, entre outros. Meus hábitos literários são um tanto promíscuos, e desta vez meu coração escolheu Clarice. Uma Clarice bem diferente de “A hora da estrela”, que li obrigada para o vestibular – doce obrigação! - e de Água Viva, que me inspirou vários textos.
Nesse livro, a escritora se revela, perde sua “intimidade secreta” e se dá a conhecer, como diz na crônica “Fernando Pessoa me ajudando”. Por esses textos, vislumbramos uma personalidade consciente, extremamente sensível e atenta aos problemas da humanidade; descobrimos que essa ucraniana de nascimento, brasileira de fato e cidadã do mundo, gostava de conversar com os motoristas de táxi - um deles convidou-a para ir à sua casa ver a "cachoeira de água doce" que ele tinha, e ela pensou: 'Como se existissem as de água salgada!" - divertia-se.
Também há passagens muito interessantes nas crônicas que falam das conversas com suas empregadas, seus filhos e suas amigas. Há outras que falam de baratas e de suas inúmeras viagens pelo mundo, como esposa de diplomata. E há passagens de puro lirismo, como em “Uma experiência” e “Uma esperança”.
Na “Carta ao ministro da educação” ela diz: “Ser estudante é algo muito sério. É quando os ideais se formam, é quando mais se pensa num meio de ajudar o Brasil. Senhor Ministro ou Presidente da República, impedir que jovens entrem em universidades é um crime. Perdoe a violência da palavra. Mas é a palavra certa.”
Há ainda entrevistas que ela fazia com intelectuais: Alceu Amoroso Lima, Tom Jobim e Pablo Neruda. A este último ela perguntou qual era a coisa mais importante do mundo, e ele respondeu: “Tratar de que o mundo seja digno para todas as vidas humanas, não só para algumas.”
Para terminar, deixo a palavra com a própria autora, num trecho da crônica “Conversas”, publicada em 14/09/68: “(...) Guimarães Rosa então me disse uma coisa que jamais esquecerei, tão feliz me senti na hora: disse que me lia ‘não para literatura, mas para a vida’. Citou de cor frases e frases minhas e eu não reconheci nenhuma.”