Açúcar na janela
No alto da colina, numa casa simples da vila, vivia uma família comum, como qualquer outra de cidade do interior. O pai, operário de fábrica, a mãe, dividia seu tempo entre a lida caseira, as costuras e o cuidado com as crianças. O menino, o maior, entretia-se com os meninos da vizinhança. A menina, sentindo-se só, resmungava o tempo todo sobre o desejo de ter uma irmãzinha. Envolvida com seus afazeres, certo dia espontaneamente, a mãe responde à pequena: -'filha se você quer uma maninha, põe açúcar na janela que a cegonha lhe traz uma irmãzinha.'
Ah, de pronto a menina atendeu a ordem da mãe. Diária e incansavelmente, a criança melecava as janelas com generosas porções de açúcar. As janelas passaram a ser o paradouro preferido... da menina, das formigas e, de outros insetos, também de adocicado paladar. A cegonha por certo agradou-se, não demorou muito e a pequena obteve a recompensa pelos seus esforços. O bebê nasceu. A mana foi conhecer na maternidade e para maior alegria, era menina! Pode até escolher seu nome e vibrou mais ainda... A felicidade foi imensa!
O tempo encarregou-se de desfazer o encanto!
Os choros da maninha, as brigas pelo colo, enfim, a convivência diária trouxeram o tom da realidade. E, todo açúcar carinhosamente, depositado na janela, tornara-se muitas vezes, motivo de conflitivas relações familiares.
As crianças cresceram... As meninas ficaram mocinhas, cada uma seguiu seu destino. Quis a vida, que ambas casassem, tivessem seus filhos e filhas, morando próxima uma da outra. Desde sempre a lenda familiar é contada e recontada, nas rodas de conversa da família. Ainda hoje, por ocasião das tramas familiares, a maninha vez ou outra, recebe uma porção de açúcar. E, dispensando-se palavras, ambas se olham, se abraçam e a vida continua... ora doce, ora salgada, quiçá agridoce. Enfim, a vida segue, temperada com seus múltiplos sabores.
Com carinho,
À minha irmã, mais uma porção de açúcar em sua janela, por permitir-me viver e revelar a nossa lenda familiar.