O sesquicentenário do nascimento do maior poeta satírico de língua portuguesa, genuinamente brasileiro

País estranho, esse nosso Brasil. Os brasileiros tradicionalmente não têm o habito de valorizar, cultuar e homenagear os grandes nomes da história do país. A história da formação cultural, científica e política da nação é invariavelmente deixada de lado, por considerarem-na inútil as suas necessidades básicas, formadas pelo vicioso triângulo FUTEBOL/PRAIA/CARNAVAL.

Se fosse possível uma pesquisa com todos os brasileiros de todos os municípios de todos os estados da federação, com a pergunta “você conhece ou já ouviu falar de Emílio de Menezes?”, é possível que menos de dez mil saibam que Emílio Nunes Correia de Meneses é o maior poeta satírico de língua portuguesa, genuinamente brasileiro (nasceu em Curitiba, em 4 de julho de 1866). Gregório de Matos, o maior deles, nasceu no Brasil (em Salvador, no dia 23 de dezembro de 1636), no entanto tinha nacionalidade portuguesa, que manteve até sua morte (em Recife, no dia 25 de novembro de 1695).

Emílio de Meneses foi jornalista e poeta, mas com a idade de 24 anos, já no Rio de Janeiro, trabalhou por um período como escriturário no Departamento da Inspetoria Geral de Terras e Colonização, durante um recenseamento no ano de 1890.

Sua obra não é muito vasta. São apenas 232 poemas (a grande maioria, sonetos) publicados em 7 livros, 5 em vida e 2 após sua morte. Tecnicamente era tido como simbolista, mas a mordacidade dos seus versos, sempre carregados de pesadas críticas aos políticos, aos administradores públicos e ao clero, fizeram dele um poeta satírico.

Com 48 anos foi eleito para a Academia Brasileira de Letras (seria o segundo a ocupar a cadeira 20, de Joaquim Manuel de Macedo), porém até a data da sua morte, ocorrida em 6 de junho de 1918, no Rio de Janeiro, não havia tomado posse, por desavenças com o então presidente da ABL, Medeiros e Albuquerque.

Passei vista nos jornais do dia, ouvi vários noticiários e programas de rádio e de televisão, busquei em vão na internet e nada encontrei que contivesse uma citação, pequena que fosse, ao sesquicentenário do nascimento desse grande nome da cultura nacional. Nada. Em que pensam e o que fazem os “pauteiros” das emissoras de rádio e televisão educativas do país?

Já são quase 22 horas e como “eles” deixaram passar em branco uma data tão importante para nossa literatura, para nossa cultura, presto eu, como poeta de alma e de coração, nos veículos que disponho, minha pequena homenagem a esse paranaense, carioca de coração, que tanto contribuiu para nossa cultura.

Algumas poesias satíricas de Emílio de Menezes

MARIPOSAS

Dão-me os jornais notícia de uma empresa

Fundada para dar cartas de fiança

Quanto a aluguel de prédios. Com certeza

Grande futuro tal idéia alcança.

Vai fazer, pelo menos, a limpeza

De umas imundas sucursais do avança,

Que exploram com torpíssima esperteza

Todo aquele que quer fazer mudança.

E tanto elas embrulham inquilinos

Como sai embrulhado o proprietário

Com fiadores matreiros e ladinos.

Tenha portanto a empresa por fadário

Dar cabo desses antros clandestinos

Que assim presta um serviço extraordinário,

UM MILAGRE

Lira: Se qual o azeite anda por cima,

Nada a muda do branco para o preto,

E nem perde a verdade apreço e estima

Pelo fato de a expor em tom faceto;

Como tudo que existe cabe na rima,

Bem cabe um atestado num soneto.

Por isso, a idéia que hoje aqui me anima,

Nestes quatorze versos lhe remeto;

Pode afirmar, por toda a eternidade,

Aos mil que sofrem e aos descrentes mil,

Que isso que aí vai é a essência da verdade!

De horrível tosse que me pôs febril,

Dei cabo, usando apenas a metade

De um milagroso frasco de Bromil.

CÃO QUE LADRA...

Um fato que nos campos é freqüente

Agora, na lembrança se me aviva:

Se um trem passa, por eles, velozmente,

Ladram os cães contra a locomotiva!

Esforço vão, estúpido e impotente!

Segue a máquina audaz, serena e altiva

E eles mal voltam, dolorosamente,

Na fraqueza da raiva inofensiva!

Tiremos neste caso, a semelhança:

De Rio Branco o nome, o mundo inteiro,

Corre veloz e à própria glória alcança!

Ladra Zeballos! Ladra bom rafeiro!

Em tal ódio e tal sede de vingança,

Nem te percebe o Grande Brasileiro!

IMPRESSÕES DE VIAGEM

Como é bela a mentira quando nasce

De uma formosa boca feminina!

Nem nos faz o rubor subir à face,

Tanto é discreta delicada e fina.

Se o que a Monna declara, declarasse

O Belisário Távora, imagina

O leitor que esta coisa assim ficasse,

Sem protestos da crítica ferina?

À Delza agradecemos a carícia

Das suas doces impressões de viagem.

Nas quais não há nem sombras de malícia.

Mas cá no seio da camaradagem,

Se assim fosse, que glória a da polícia

E que vergonha para a gatunagem!

MESMICE

Quisera eu pôr nestes quatorze versos

Um leve, fino, alegre comentário

A algum novo e notável caso diário,

Entre os casos urbanos mais diversos.

Percorro dos jornais o noticiário,

Leio artigos e tópicos dispersos,

A pedidos satânicos, perversos,

Desastres, crimes, contos-do-vigário.

Nada encontro que inspire à alegre musa

Uma nota satírica e atrevida

Que nos nervos um frêmito produz.

É sempre a mesma coisa repetida:.

Luza o sol, venha a noite, o sol reluza,

Como, o banal, se reproduz a vida!

O GATO PRESO

Malvado Gato, Gato irreverente,

Que sem pena os políticos arranhas,

Que enches de medo da polícia a gente

Com as tuas endiabradas gatimanhas.

A polícia persegue-te inclemente

E uma reclame estardalhante apanhas.

Aumentas a edição galhardamente

E, com os aplausos, mais trame ganhas.

Escaldados, não temes água fria;

De unhas de fora, investes com coragem

Contra a bajulação e a hipocrisia.

Elas, sentindo os arranhões, reagem;

Mete a polícia o Gato na enxovia,

Deixando em liberdade... a gatunagem.

SATURNINO BARBOSA (Retrato)

Pedagogo pernóstico e pedante

Com vastas pretensões a literato;

Barrigudinho, cético, insensato,

Portador de uma cara extravagante.

Eis o poetastro trêfego e barato

Que o chicote da crítica ululante

A zero reduziu, no mesmo instante

Em que passou a residir no mato.

Hoje não vibra mais, é letra morta,

Nem sonetos, nem livros maltrapilhos:

Passa o tempo a pedir, de porta em porta

Há de acabar assassinando os seus,

Como Saturno a devorar seus filhos,

O matador sacrílego de Deus.

CONTO DO VIGÁRIO

Que o delegado de olho vivo seja

nesse inquérito, ao qual já deu início

E, se a verdade descobrir deseja,

Note que o gajo é mestre no artifício.

Com tal nome não vai à minha igreja,

Pois de pátria não ter, tem ele o vício:

Em qualquer parte em que Patrício esteja

Ele de todos há de ser patrício.

O caso nada tem de extraordinário:

O vigarista, porque andasse pronto,

Viu no patrício o desejado otário.

Mas repare só a polícia neste ponto:

Se prender o contista do vigário,

Não deixe solta a vítima do conto.

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Luiz Vila Flor
Enviado por Luiz Vila Flor em 04/07/2011
Reeditado em 04/07/2011
Código do texto: T3075668