Flores para o vencedor
Flores para o vencedor
Pestana conhecido na família como Ditinho, esse é o tipo do sujeito... Bem como diria papai “um boa praça”. Quando pequeno, pintava o sete, arteiro como qualquer molecote. Cresceu entre a honestidade dos irmãos e os carinhos da mãe. Casou e acreditava ter seus sonhos realizados, mas não, depois dos quarenta, parou de fumar e resolveu fazer caminhadas e logo estava correndo, lembro como se fosse hoje... Dava três voltas num campo de futebol e contava pro papai todo orgulhoso... Logo aquele campo ficou pequeno para os três, quatro, quinze e por ai vão os quilômetros percorridos pelo atleta agora com o codinome “Pestana”, como era conhecido nos parques da cidade.
E Pestanão já quase não tinha mais concorrentes a sua altura nas competições de longa distância. O tempo passou pra mim e pra ele também, o que os dias fazem com a gente... Fazer o que... a gente acostuma.
Um dia desses numa meia maratona da cidade de São Paulo, o atleta que corria por esporte agora tinha uma nova paixão, competir. Deu tudo de si, em plena corrida não esquecia os esportistas companheiros que ultrapassava, recebia um aceno, um força ai... e assim foi até o final. Superou suas pretensões, bateu seu próprio recorde, subiu ao pódio e ganhou sua tão sonhada medalha.
Os meus cumprimentos eu fiz com flores, fui até ele, parei a sua frente e notei seu sorriso, seu suor, mas ele não estava ofegante, estava era muito feliz. Abaixei meu olhar e fiquei em silêncio, me senti tão pesado e temeroso, sei lá, deve ser a fragrância das flores, acho que logo vai passar.
Suspirei profundamente e me sentei ali na grama, uma lágrima caiu e logo mais outras rolaram que faziam meus olhos arderem, e pouco a pouco meus lábios trêmulos e secos tentam dizer alguma coisa, era papai que vinha caminhando lentamente em minha direção, que surpresa papai aqui. Aproximou-se o suficiente para eu notar seu olhar desolado, eu sem entender nada, um dia tão lindo como aquele.
Papai pegou um lenço do bolso passou nos olhos e olhou para mim, fez um cumprimento com a cabeça e passou. Titio continuava sorrindo, porém ao ver papai, suspendeu sua alegria, eu não entendia o por quê. Mas logo titio voltou a sorrir, papai não, continuou em silêncio.
Tio Pestana veio a mim que estava ali sentado na grama e sem que eu lhe perguntasse alguma coisa, começou a contar como tinha sido sua vida desde os tempos de infância, fez-me sorrir, refletir, chorar e sorrir. Contou-me mais uma infinidade de coisas, mas eu não entendi direito porque ele me contava dando risadas.
Em meio às gargalhadas do Pestana, confidenciou-me que sentia saudades daqueles tempos de criança em Pindamonhangaba, saudades da mãe e do irmão já falecido. Pegou as flores das minhas mãos, abraçou-a em seu peito e deitou sua cabeça em meu ombro. Parou de falar e chorou como uma criança.
Quis consolá-lo, mas sentia que era ele quem me consolava, aquele chorão me confortando. Olhei para o lado e vi que ali estavam tantos parentes que a muito eu não via e amigos dele que eu nunca tinha visto. Mostrou-me um rapaz e disse, aquele cabeludo ali é um amigão. Quem tem tantos amigos assim jamais estará sozinho.
Mas eu ali do lado dele estava me sentindo muito sozinho. Mas não disse nada. Deixei ele dizer o que quisesse. Aquele homem de setenta anos, de físico exemplar e alma de criança. Olhou-me sério e calado, como se estivesse com pena de mim. Quis indagá-lo, mas ele foi mais ágio, levantou-se e saiu andando.
Permaneci ali lembrando dos dias que ele me levava de cavalinho passear de bonde e dos dias que dormi em sua casa escutando suas histórias e pela manhã, enquanto ele comia dez limas da pérsia, eu tomava aquele cafezinho gostoso que a titia fazia.
Ele sempre nos visitava e suas conversas com papai eram longas. A criançada lá em casa montava em cima dele, todos nós o adorávamos. É claro que jamais me esquecerei dele, é meu melhor amigo.
Senti naquele momento que o estava perdendo, fiquei com medo, pois ainda tinha tantas coisas a contar, e para minha angústia, notei que havia lhe perdido para sempre.
Como as folhas do bambu, que se separam dos galhos e forma um lindo tapete no chão, ele já ia distante, tentei chamá-lo e por mais que gritasse, ele continuava seguindo seu caminho. Levantei, mas não consegui lhe acompanhar, tive que aceitar. Pensei em correr a toda velocidade e alcançá-lo, só para dizer coisas que nunca tinha dito, mas ele partiu.
Então cabisbaixo defrontei com aquele povo que ali estava, não para saudá-lo por sua vitória, e sim para prestar-lhe uma última homenagem, voltei a mim, olhei então para aquela sepultura que seria germinada com o corpo de um vencedor, peguei as flores que abraçava, coloquei-as com carinho e parti.
Dedico a força de minha eterna amiga Renata Montini, um exemplo de garra.