*Não se mate ainda
Ernani, se acalme, a Vida
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã te escarra,
depois de amanhã é domingo
você não vai para a Igreja
e ninguém sabe
Nem precisa saber
nem saberá
se você se matar
mas não se mate
não se mate ainda
Pois é inútil você se resistir
resistir a tua depressão natural
ou mesmo cometer o suicidio
Não se mate ainda, ainda não
reserve-se um pouco para
as bodas que virão
sabe lá Deus quando
ninguém sabe
quando virá,
se é que virá
Ninguém saberá
se você se matar
mas não se mate
não se mate ainda
O amor, Ernani, você telúrico,
a noite zombou de você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro aquele barulho casmurro,
rezas,
maldições,
santos que te perseguem
demônios que se persignam,
anúncios falsos da vida verdadeira
Você chorando onde ninguém sabe
de quê, porquê, para quê
nem nunca saberá.
Entretanto você caminha e chora
melancólico e vertical,
pensante e casmurro
você é o grito, é a explosão
que ninguém ouviu no teatro
pois estavam centrados na farsa
na farsa da peça da vida
E as luzes todas se apagaram.
O amor no escuro, o ódio no escuro
é sempre triste, Ernani
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe, nem saberá
ninguém precisa saber
Ninguém nunca saberá
se você se matar
mas não se mate
não se mate ainda
*baseado no "Não se Mate" do Carlos Drummond de Andrade