Simões Lopes Neto: Um gaúcho integralmente gaúcho

Semana passada (dia 14) decorreu o 95º ano da morte de João Simões Lopes Neto. Nesse dia e nos que se seguiram não me foi possível, por real falta de tempo, escrever e registrar o fato, o que agora faço com grande prazer:

O escritor gaúcho nasceu em Pelotas, no dia 9 de março de 1865, na Estância da Graça, residência do Visconde da Graça (João Simões Lopes Filho), seu avô paterno.

Simões Lopes estudou no Rio de Janeiro (Colégio Abílio), para onde veio com 13 anos. Engana-se quem pensa que um literato, tão bem nascido, tenha se dedicado sempre às artes.

Lopes Neto foi um empreendedor nato. Concluídos seus estudos e retornado à Pelotas, dedicou-se a negócios fabris dos mais variados tipos: vidros, bebidas, tabaco, café, mineração e fármacos, mas os negócios num foram prósperos.

Trabalhou como jornalista, num período em que suas finaças estavam sensivelmente abaladas e ainda escreveu alguns textos para teatro.

Em vida teve publicados apenas três livros: em 1910, Cancioneiro Guasca; em 1912, Contos Gauchescos e, em1913, Lendas do Sul. Em 1952, a Editora Martins Livreiro lançou a edição póstuma de Casos do Ramualdo e em 1955, a Editora Sulina lançou a edição (imcompleta), de Terra Gaúcha.

Em seus livros sempre buscou a valorização do homem gaúcho e suas tradições, usando sempre uma narrativa temperada com o regionalismo da época. Sua obra é considerada por muitos, um marco da modernidade literária do Rio Grande do Sul.

Em 1949, contando com com grande empenho do escritor Érico Veríssimo e do editor Henrique Bertaso, a Editora Globo publicou uma Edição Crítica de Contos Gauchescos e Lendas do Sul, organizada por Aurélio Buarque de Holanda (introdução, variantes, notas e glossários), prefácio e notas de Augusto Meyer e posfácio de Carlos de Macedo Reverbel. Esta publicação foi de fundamental importância para a obra literária do escritor gaúcho, pois foi a partir do seu lançamento que Simões Neto decola do ambiente regional e torná-se efetivamente conhecido em âmbito nacional e também internacionalmente.

Um projeto da Editora Sulina culminou com o lançamento, em 2003, da Obra Completa de Simões Lopes Neto, muito bem organizada pelo crítico e escritor Paulo Bentancur e na qual, além dos livros publicados ainda em vida e as publicações póstumas, estão inseridos diversos textos poucos divulgados, até então, e todo material produzido para o teatro, que até então era inétito em publicações editoriais.

Mais recentemente o IEL - Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul em parceria com a UNISINOS publicou também uma edição crítica de Contos Gauchescos e Lendas do Sul, preparada por Aldyr Garcia Schlee.

Simões Lopes Neto teve a primeira obra em língua portuguesa (Lendas do Sul) publicada na internet, pelo Projeto Gutemberg.

Eis alguns fragmentos da obra* do escritor:

O meu bagual (*Poesia contida em Cancioneiro Guasca)

Fiz ontem repontar o meu bagual,

O meu bagual sebruno rabicano,

E fui ver, no rincão do Faxinal,

A china, que não via há mais de um ano.

Sestroso sempre, o puava do bichano,

Mal sente pelas ventas o buçal,

Bufa, como um feroz republicano

Se lhe falam no trono imperial.

Atiro-lhe lombilho. A barrigueira

Fá-lo gemer. O pingo o solo cheira

E faz partes de guapo redomão.

Monto. Debalde o bruto corcoveia,

E quando a todo o lombo se plancheia,

Saio folheiro - a rédea pela mão.

Deve um Queijo!... (*Pequeno texto contido em Contos Gauchescos)

O velho Lessa era um homem assinzinho... nanico, retaco, ruivote, corado, e tinha os olhos vivos como azougue... Mas quanto tinha pequeno o corpo, tinha grande o coração.

E sisudo; não era homem de roer corda, nem de palavra esticante, como couro de cachorro. Falava pouco, mas quando dizia, estava dito; pra ele, trato de boca valia tanto — e até mais — que papel de tabelião. E no mais, era — pão, pão; queijo, queijo! —

E, por falar nisto:

Duma feita no Passo do Centurião, numa venda grande que ali havia, estava uma ponta de andantes, tropeiros, gauchada teatina, peonada, e tal, quando descia um cerro alto e depois entrava na estrada, ladeada de butiazeiros, que se estendem para os dois lados, sombreando o verde macio dos pastos, quando troteava de escoteiro, o velho Lessa.

De ainda longe já um dos sujeitos o havia conhecido e dito quem era e donde; e logo outro — passou voz que aí no mais todos iriam comer um queijo sem nada pagar...

A Mboitatá (*Pequeno texto contido em Lendas do Sul)

Foi assim:

Num tempo muito antigo, muito, houve uma noite tão comprida que pareceu que nunca mais haveria luz do dia.

Noite escura como breu, sem lume no céu, sem vento, sem serenada e sem rumores, sem cheiro dos pastos maduros nem das flores da mataria.

Os homens viveram abichornados, na tristeza dura; e porque churrasco não havia, não mais sopravam labaredas nos fogões e passavam comendo canjica insossa; os borralhos estavam se apagando e era preciso poupar os tições...

Os olhos andavam tão enfarados da noite, que ficavam parados, horas e horas, olhando, sem ver as brasas vermelhas do nhanduvai... as brasas somente, porque as faíscas, que alegram, não saltavam, por falta do sopro forte de bocas contentes.

O Tatu-Rosqueira (*Pequeno texto contido em Casos do Romualdo)

Já em rapaz eu ouvira falar numa raça de tatus-rosqueira, porém, punha minhas dúvidas nessas histórias. Passaram-se os anos caminhei muito, muito, aconteceu-me muito, mas de. tatu-rosqueira, nada!

Pois dessa feita, no Rincão das Tunas, vi; do outro lado do rio Camaquã, com estes, que a terra há de comer, vi... e se me fosse contado não acreditaria.

Periga a verdade, mas lá vai, e, demais, estavam presentes o capitão Felizardo, já falecido, o licenciado Silvinha (que perdi de vista), além dos peães, sem falar nos cachorros, por sinal bons tatuzeiros.

É sabido que as jararacas andam sempre em casal e que se alguém mata uma pode também matar a outra, no mesmo lugar, porque a viúva vem pelo rastro da companheira; se se carrega a primeira, por exemplo, para perto de casa, é contar que a outra aí vem dar; quer dizer, o bicho acompanha o seu defunto, ou seja pelo faro, ou pela dor da saudade, com os olhos da alma...

Luiz Vila Flor
Enviado por Luiz Vila Flor em 22/06/2011
Reeditado em 22/06/2011
Código do texto: T3050682