QUANDO EU FOR MÃE

Quando eu for mãe, quero fazer dos meus filhos o motivo maior da minha existência. Quero escrever poemas e dedicá-los a eles. Quero conversar com eles enquanto dormem. Quero passar um tempão olhando o rostinho deles e vendo neles a minha vida, como num espelho dos sonhos. Quero sentir todas as dores deles, mas não roubando-as pra mim porque sei que serão necessárias a eles, mas dividindo-as, ainda que não deixe que eles percebam. Quero dividir com eles o melhor de mim: minhas músicas eu ouvirei baixinho, ou como preferir, mas deixarei sempre a porta aberta pra que de alguma forma eles escutem. Não forçarei pra que eles gostem só do que eu gosto, afinal não quero um outro eu, mas farei minhas artimanhas; meus livros eu deixarei sempre por perto, em cima da mesa da sala, na cama ou na estantezinha da televisão; minha paciência e minha coragem eu dedicarei a eles e as darei sem pedir nada em troca. E mesmo quando eu não as tiver eu não deixarei que eles percebam pra que reconheçam sempre em mim um porto seguro, como eles serão pra mim, porque sei também que por eles tudo é possível. Eu vibrarei com eles a cada nova descoberta, a cada nova conquista, principalmente nas mais simples como descobrir que 'ovo' e 'vovó' por algum motivo têm um som bem parecido, ou quando descobrir que rua e lua tem alguma coisa em comum. Não colocarei o carro na frente dos bois, mas apostarei todas as fichas quando eles disserem que estão prontos pra descobrir um mundo novo além do 'a,e,i,o,u'. Ensinarei a eles porque é tão importante obedecer aos mais velhos e que isso não é sinônimo de submissão ou fraqueza, mas sim de educação. Comemorarei com eles o dia da vovó, o dia das crianças, o dia do estudante, o dia do índio, o dia do amigo, o dia da poesia e até mesmo os dias que nunca fizeram diferença como a Independência do Brasil ou o dia de Tiradentes, pra que eles saibam as consequências de cada ato que eles fizerem e a importância de cada detalhe que faz a nossa história. E no dia dos aniversários de cada um, de forma bem simples eu vou explicar que esse é um dia muito mais importante porque é só dele, ainda que seja de muitos outros. O dia dos pais será muito, mas muito especial mesmo, porque todo pai é especial, mas principalmente porque terão um pai honesto, brincalhão e doce, como um chocolate meio amargo, pra não enjoar. Não precisará ser tão paciente, porque isso eu terei de sobra!, mas terá muito amor no coração, mesmo quando esse amor parecer guardado num baú, a sete chaves. Nós teremos as chaves certas pra cada ocasião. Esse pai será muito amado e nós juntos seremos os melhores pais do mundo! Quando eu for mãe, não vou querer que os meus filhos perfeitos, os amarei com todas as suas imperfeições. Quando eles aprontarem alguma, daquelas, eu não vou passar a mão na cabeça deles. Vou brigar mesmo, mas sem levantar a voz pra que eles saibam que eu não me desespero com os seus erros, quem tem que fazer isso são eles, mas sem criar tempestades em copos d'água, claro. Depois, vou morrer de rir das mais engraçadas e contar baixinho pra todo mundo, sem que eles escutem. As mais sérias ficarão só entre a gente. Quando eles fizerem uma poesia bem bonita eu estamparei em uma camiseta pra mostrar o quão orgulhosa eu ficarei, independente de dizer tudo, ou nada. Ensinarei o poder das palavras, a diferença que faz um bom dia, uma boa tarde ou boa noite. Ah, ensinarei também a pedir a bênção a seus avós, mesmo que eu não seja muito ligada à religião. Quando eles ficarem doentes vou enchê-los de mimos pra que eles não tenham medo e pra que não seja tão insuportável essa fase. A minha mão vai estar sempre pertinho da deles pra se der vontade nem precisar fazer muito esforço pra de repente, sem eu nem perceber, agarrá-la. As fotos eu guardarei com todo cuidado, mas não impedirei que eles peguem, olhem, exibam sua vaidade, mesmo correndo o risco de tê-las amassadas, rasgadas ou recortadas. Quando eles crescerem e olharem vão morrer de rir dos cabelos despenteados, mas saberão que ali é o retrato da realidade, assim como morrerão de vergonha quando eu começar a contar suas travessuras de infância. Não forçarei e nem reclamarei pra que eles sejam como seus primos, colegas ou quem quer que seja, mesmo que eles tenham uma tendência a só parecer com a Ana, a levada da breca. Não traçarei comparações entre eles se correr o risco de deixar um em desvantagem e ensinarei que cada um é especial ao seu modo. Eles não sentirão ciúmes um do outro, não mais que o normal e se amarão como cúmplices e como irmãos, entre brigas e brincadeiras, entre truques e confusões. Ensinarei como é simples assumir os seus papéis de filhos, de irmãos, de estudantes, de amigos e de qualquer outra função, sem precisar roubar a cena de ninguém e mesmo assim brilhar muito. Quando eles começarem a namorar orientarei pra que não projetem seus sonhos em cima de um relacionamento, pois o terreno será sempre incerto, mas que deem a eles a importância o espaço que eles merecem, fantasiando sempre, mas sabendo-os reais. Não interferirei, a menos que seja realmente necessário, afinal, no outro dia chegará um novo amor que vai fazer tudo acontecer novamente de tantas outras maneiras, até que eles percebam que chegaram onde queriam realmente chegar. Quando eles já puderem andar sozinhos mostrarei que mesmo que eles queiram voar, poderão ir e voltar e nossos reencontros serão sempre mágicos. E que não importa quão alto eles voem, o alicerce estará sempre bem a baixo, nos ensinamentos que eu os ajudarei a construir, sem se preocupar com a altura de uma possível queda. Eu farei tudo, tudo, tudo por eles e mesmo assim sentirei que não será o suficiente. Não porque eles não reconhecerão, mas porque eu sempre acharei que será pouco diante da felicidade que desejarei pra eles.

Bem, se um dia eu for mãe é assim que eu vou querer ser. Parece impossível? Pois é exatamente assim que eu seria se pudesse ser igual a minha mãe.

Alice Alencar
Enviado por Alice Alencar em 11/05/2011
Reeditado em 30/05/2013
Código do texto: T2962871
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