Melhores Braços
Enquanto todas as crianças dormem ao som de disquinhos de história infantil, e cantigas como “se essa rua, se essa rua fosse minha…”, eu dormia confortável e feliz, em braços que me embalavam ao som de Dorival Caymmi, Adoniran Barbosa, Chico, Elis, um pouquinho de Tim…
Foram braços que me fizeram amar a arte, a música, a poesia. Foram os mesmos braços que me ensinaram a não desistir, a ser forte. A continuar tentando mesmo quando tudo parece perdido. Foram os braços que continuaram trabalhando, o dia inteiro, mesmo quando não tinham a menor condição de sair de casa(por estarem doentes ou cansados demais), porque afinal, precisavam suprir meus caprichos e necessidades. Foram os mesmos braços que me disciplinaram, quando eu por algum devaneio, tentei me portar como igual, e hoje eu sei que ainda tenho muito, muito mesmo, pra aprender com eles…
Hoje, aprendi a ver a vida de forma mais leve, com mais valor, com paz de espírito. Hoje sei que é preciso plantar boas sementes, para colher bons frutos no futuro. Hoje sei que não devo sair por aí tagarelando meus planos, para que ninguém os destrua pelo meio do caminho. Hoje, acima de todas as milhares de lições, aprendi que deve-se valorizar cada momento ao lado das pessoas que amamos, que devemos perder menos tempo com desentendimentos tolos, e ganhar mais tempo com pequenos lembretes do quanto amamos, com gestos de carinho, com conversas mais demoradas, com…nem que seja com uma tarde inteira sem fazer nada, sem se mexer, sem falar…apenas estar ao lado, apenas…pra sentir que está junto, pra sentir por perto.
Tem um monte de gente por aí reclamando dos pais, e dizendo que eles são a pior coisa que lhes aconteceu. Tem um monte de adolescentezinho tolo, que vejo dizendo que preferia que os pais estivessem mortos, que os odeiam, e apenas porque os mesmos não lhes deixaram ficar até mais tarde no computador, sair pra festa, porque reclamaram dos seus amigos…
Tem um monte de gente que não liga quando a mãe adoece, porque prefere ficar na frente do computador, ou pela rua com um monte de gente que conheceu um dia desses, do que dar atenção pra única pessoa concreta de fato em sua vida, pra única pessoa que de fato, daria a própria vida em troca da sua, e que lhe deu a vida um dia.
Dizem que mãe é igual, e só muda o endereço…sinceramente? Tanto faz se a minha é cheia de defeitos, se me irrita, se me cobra, se me diz pra não chegar muito tarde em casa, se me pergunta como vão os estudos, se reclama porque passo tempo demais na frente do computador. Hoje eu só queria que fosse verdade esse ditado, que mãe fosse igual, e que só mudasse o endereço, porque talvez assim a minha não estivesse tão longe de mim agora. Talvez eu não tivesse que viver por minha própria conta agora, talvez eu não estivesse sentindo tanta saudade.
Eu troco, troco de boa vontade, com todos esses adolescentes idiotas, que reclamam, que se queixam, que perdem tempo brigando e magoando a mãe. Troco sem pensar duas vezes…faço um trato com o destino, e mando a mãe deles ir trabalhar em outro estado, bem longe deles, muito ocupada, e sem poder estar por perto no natal, no aniversário, no reveillon…
Eu troco todos os anos em que fui idiota também, e não soube aproveitar o que eu tinha dentro de casa, no quarto ao lado, na mesa de jantar…
Hoje, mais do que tudo, eu queria voltar no tempo, e viver tudo novamente, aproveitar mais, ser uma filha melhor. Mais do que tudo, eu queria que ela tivesse ido pra longe de mim sentindo mais orgulho, tendo mais fé em mim…
Hoje mais do que tudo ainda, eu queria um pouco mais de colo, um pouco mais de embalo na rede pra me fazer dormir, um pouco mais de comidinha caseira(preciso mesmo dar um tempo de fast food)…
Queria um pouco mais de sarais de poesia, um pouco mais de “tomar aquela cervejinha” com a mamãe na esquina de casa, que ela tanto me convidava depois da maior idade, só pra eu não ficar pela rua perambulando com quem ela não conhecia. Queria um pouco mais de “esse cigarro ainda te mata, menina”, seguido de uma cadeira sendo puxada, pra sentar ao meu lado, e ser fã número um dos meus pseudo-livros que nunca saíram da “boneca”, das minhas crônicas existencialistas e poesias mais angustiadas, que ela mostrava pros amigos críticos literários e acadêmicos como se fossem a oitava maravilha do mundo…
Hoje na verdade, mais do que nunca, eu queria aqueles braços de volta, os braços que devolvem todas as curas, todas as alegrias, todas as lições, todo o amor que existe no mundo.
Tem tanta gente querendo liberdade, querendo presentes, querendo dinheiro…tanta gente querendo tanta coisa…e hoje, tudo o que eu queria, tudo o que eu daria o meu reino pra ter, é um abraço.
...e não tem um dia que se passe em que eu não sinta saudades.