Relembrando João Paulo II

Eram dois de julho de 2005 quando morria João Paulo II, o papa que, agora, vai se tornar oficialmente santo.

Naqueles começos de julho, multidões acorriam a Roma para o último adeus ao papa peregrino, que por quase 27 anos encantou o mundo com seu carisma e suas mensagens.

Avaliações de especialistas davam conta de que os funerais do papa seriam o acontecimento de maior repercussão na mídia nos últimos tempos. Os veículos de comunicação de todo o mundo dedicavam grande parte de seus noticiários àquele que já era conhecido como o papa da paz, o papa da comunicação e, até mesmo, o papa santo, cujo testamento espiritual brevemente seria divulgado.

A comoção do momento talvez impedisse por parte dos que eram chamados a dar seu testemunho uma avaliação mais isenta. Verdade é, contudo, que líderes religiosos não católicos destacavam a aproximação e o respeito do papa com os outros credos, e pacifistas de todo o mundo lembravam a posição radicalmente contrária do papa à desastrada invasão do Iraque pelos Estados Unidos.

Referia-se também ao papa como o homem misericordioso, capaz da nobreza de perdoar o turco Ali Aghca, que o feriu, quase mortalmente, com dois tiros, em 1981, quando Karol Wojtyla era um senhor saudável e vivia o terceiro ano frente à Igreja. Anos depois, o papa teve a grandeza de procurar seu algoz na prisão e com ele manter um diálogo.

Também não era esquecida a ação política do papa, que, aliando-se a Reagan e a Lech Walesa, contribuiu para a derrocada do comunismo. À época destoava desse cenário de aplausos a mágoa dos defensores da Teologia da Libertação, doutrina em que o papa viu laivos de coloração comunista e com a qual não conviveu pacificamente.

Não faltava quem dissesse que, contrastando com o perfil progressista, João Paulo II se mostrara extremamente conservador em questões delicadíssimas, como a condenação do uso de preservativos em um mundo assolado pela AIDS.

As imagens de João Paulo II estão aí, exibindo o pontífice elegante e forte, que em 1978 assumia o trono de Pedro e viajaria pelo mundo divulgando a fé cristã. As imagens mostram também a progressiva debilidade do papa. Acometido por várias doenças, o pontífice foi perdendo o vigor físico, mas não esmoreceu na pregação da doutrina em que acreditava. O papa atlético foi cedendo lugar ao homem fragilizado e doente, que mesmo assim não se furtava às celebrações e às viagens internacionais.

Num mundo que prioriza o vigor físico e as aparências, João Paulo II é certamente um exemplo de humildade. Encurvado, trêmulo, em consequência do mal de Parkinson, e com a fala arrastada, ele – que se comunicava em vários idiomas – não declinou jamais da missão pública de pregar o evangelho ao mundo.

Chamou para si a responsabilidade intransferível de dirigir a Igreja, quando muitos achavam que devia renunciar. E não se escondeu da humanidade. O mundo, que conheceu João Paulo II jovial e forte, condoeu-se da dor do papa e com ela certamente aprendeu. Aprendeu uma lição de fé, de resignação e de amor ao semelhante. Já quase em agonia, João Paulo foi à janela de seus aposentos, abençoou seu povo e com ele tentou se comunicar, mesmo dilacerado pelo sofrimento, coroando seu pontificado com a marca da humildade, o maior legado do Cristo. Nesse sentido, ele já era um homem santo.