Meu Velho de Aço
Existem muitos personagens que são marcantes em nossa história, que deixam um grande legado em nossa formação. É claro que, geralmente, a primeira referência de vida que temos são os nossos pais, ou aqueles que fazem este papel. No entanto, pode haver, entre aqueles mais distantes na hierarquia de parentesco ou mesmo na escala da afetividade, incluindo aí gente de fora do círculo de parentes, pessoas inesquecíveis, que se tornam um ponto de referência eterno em nossas vidas.
O personagem da minha vida é o meu avô materno, José Rossi.
O Vô Zé era filho de italianos, sempre magrelão; mancava de uma perna devido a um atrofiamento do membro, desde nascença, porém era dotado de uma energia fora do comum. Tinha lá os seus defeitos, mas foi o tipo ideal de homem, um exemplo de vida em muitos aspectos da existência humana; trabalho, perseverança, energia, tranqüilidade, serenidade, simplicidade, religião e, sobretudo, saúde. O velho era de aço. Nunca o vi tomar remédios para nada, nunca o vi ficar doente, a não ser no último ano de vida, já aos 92 anos de idade. Seguia fielmente os ensinamentos bíblicos, principalmente no que se refere a alimentação e isso contribuiu primordialmente para que tivesse uma vida longa e saudável.
Eu tenho certeza que, no último sopro de consciência antes da morte, meu avô deve ter agradecido a Deus por ter levado uma vida feliz. Passou por muitas dificuldades na vida, mas infeliz creio que não foi nem por um minuto. O histórico de vida e os números podem comprovar isso: foi amante da natureza e viveu sempre no campo; era religioso e dedicou a sua vida fielmente à Igreja Adventista do Sétimo Dia; viveu casado com minha avó por mais de sessenta anos; era da roça mas não era matuta e nem miserável; teve onze filhos, numa época de condições precárias de atendimento médico ao parto, mesmo assim somente um não sobreviveu; portanto, ao morrer, tinha dez filhos, o dobro de netos, um tanto de bisnetos e todos vivendo plenamente bem, nenhum desviado socialmente, nenhum com problemas de saúde.
Quando era uma data festiva – dias dos pais, das mães, natal, ano novo, páscoa, etc - a casa dos meus avós ficava repleta de parentes. Como toda grande família, havia manifestações de agrado, abraços, amabilidades. Muita conversa, reencontros e também discórdias, desentendimentos, discussões acaloradas. Enfim, havia todo o ingrediente de uma numerosa família em reunião, na casa do patriarca. Isso se repetia ano a ano, era uma espécie de obrigação moral, um dever sagrado.
Para mim meu avô era realmente sagrado. Eu tinha nele uma veneração que o colocava acima de um simples ser humano; era meu baluarte, um muro intransponível para as moléstias da vida. Era isso mesmo que o velho Zé me transmitia: uma sensação de proteção divina, de imortalidade, de que forças do mal nenhuma iria nos atingir, se esbarrariam na vitalidade espiritual que emanava de sua pessoa. As suas orações nos encastelavam em um mundo seguro; a sua fé derramava bênçãos sobre todos. Tudo isso criava em mim uma áurea de imortalidade, onde eu me agarrava com toda fé.
Era homem do campo, não suportava a cidade. Tinha mãos abençoadas para plantar e uma técnica apurada para fazer enxertos; transformava um pé de fruta cítrica em outro a dar frutos de melhor qualidade. Em todas as fazendas, sítios, chácaras que passou nunca deixou de existir plantações; frutas, legumes, verduras, cereais, raízes e vassoura natural. Era um exímio fabricante de vassouras e sempre nos presenteava com uma, quando aparecíamos por lá. Mesmo na fragilidade da idade avançada, estava sempre trabalhando, sempre em meio a alguma das atividades que mais gostava, isto é, sempre colhendo, plantando, limpando terreno, mexendo a terra. Isso era a vida do meu avô: o contato com a terra, o cheiro da relva, a plantação, a vida simples do campo; enfim, estar sempre em integração direta com a natureza.
Convicto na sua fé, seguia os ensinamentos da bíblia com todo fervor. Praticava uma vida saudável, não faltava nunca a um culto na igreja, gostava de discutir textos bíblicos e, de todos os mandamentos da lei divina, o mais sagrado para ele era o sábado; neste dia é como se ele se aproximasse um pouco mais de Deus. Santificava-o com esmero, não fazia nenhuma espécie de trabalho, a não ser os essenciais para a existência, desde o por do sol de sexta-feira até o por do sol de sábado.
Até na morte foi assim: morreu pouco depois do por do sol de uma sexta-feira.