A UM GUERREIRO ALADO

O texto A UM GUERREIRO ALADO foi escrito em fevereiro de 1991. Hoje, em 13 de março de 2011, véspera do Dia da Poesia, se completam 21 anos de uma noite, da única noite em que eu e o guerreiro alado do título pudemos estar, por um breve tempo, sem a companhia do mundo, sempre à nossa volta. Por causa do "assédio" geral, nunca mais pude nem posso sequer demorar meu olhar sobre o rosto dele, nem ele o próprio olhar sobre o meu rosto.Nunca, nunca mais.

Gostaria de ser ainda capaz de escrever um texto de agora para dizer daquele encontro, mas, a linguagem para isto se tornou impossível. Não sei mais dizer, com alguma palavra nova, do encontro que transformou o tempo dos relógios e inverteu os polos dos mundos de dentro, em inversão que acabou por alterar também os caminhos de fora e os de outros seres. Como achar palavra nova para dizer do encontro que nos transformou para sempre em personagens de nós mesmos?

Eu, personagem para sempre deserta de mim; eu, rainha destronada para sempre; eu, para sempre colombina abdicada de si mesma; eu, musa que há um tempo infinito nada mais tem inspirado senão sombra e dor, eu venho mais uma vez saudar-te, guerreiro alado de todas as saudades, mais uma vez saudar-te com as palavras antigas de mim, as palavras de um texto escrito há 20 anos já a falar, em seu tempo, dos personagens que sempre fomos, que jamais deixamos de ser, estes personagens que a vida, os outros, talvez o Destino e principalmente nós mesmos, jamais nos permitiram deixar de ser.

A UM GUERREIRO ALADO (Texto de fevereiro de 1991)

“Eu era apenas uma sobrevivente quando cheguei a ti com um poema nas mãos, com um poema para o sobrevivente que eras também, um poema com a palavra misteriosa do meu amor, com a palavra do meu amor vinda do fundo do tempo impossível de lembrar.”

“Jamais eu seria capaz de prever que aquela minha primeira palavra reverberaria em teu íntimo seu eco sem fim, redemoinharia para sempre em ti, seria o germe inicial a revolver as raízes do teu e do meu mundo, da reversão do nome das coisas, da nossa chegada às estrelas, às zonas abissais dos oceanos desconhecidos, à fundura mais inacessível dos silêncios, a estas vindas-partidas desde sempre a marcar-nos os olhos,os passos, as mãos. Como poderia eu saber do meu poder, diante de um poder como o teu?”

“Fugi do mundo para esta submissão e para esta submersão e para esta subversão totais; permiti que o brilho de tudo e de todos fosse desaparecendo até sumir de todo, até que só restasse espaço para o teu brilho, para a onipotência do teu brilho em mim. E tudo ficou opaco para além de ti. E fui sentindo, sempre entre a absoluta dúvida e a absoluta fé, a onipotência também do meu brilho em ti.”

“Ah, tua palavra, teu silêncio, signos de um tempo antigo de nós, tempo muito anterior e inacessível à memória dos nossos corpos nesta vida! Ah, tempos meus de fada, tempos teus de protetor dos elfos na floresta! Impossível falar da volúpia, do êxtase, da agonia desse universo mágico renascido de repente no mundo de relógios e de medidas exatas, renascido de repente sem lembranças, sem referências, sem certezas e nem por isso ou talvez por isso tudo infinito no sangue, nos ossos, no que chamamos alma, na minha paciência de Penélope, na tua determinação de marinheiro e de pirata, de Ulisses sempre a sonhar com a volta para a Ítaca para além de todos os horizontes.”

“Estar em ti como no Lar, ainda quando as noites eram terríveis, ainda quando abismada em teus silêncios e em teus verbos de dor, ainda quando as rotas para ti inteiras se me nublavam por dentro, ainda quando agonizando ao ver-te a negar a nós e ao nosso amor, ainda quando a te sentir perdendo também as rotas todas de vir ao nosso encontro. Apesar de tudo, fosse como fosse, sempre acabávamos por voltar dos exílios recíprocos. Lembro quando nossos corpos de nuvem voltavam a se abraçar, lembro das nossas mãos enlaçadas no voo rumo às estrelas, lembro do nosso navio em direção ao Novo Continente onde seria possível a construção do Lar de Liberdade.”

“Tudo passa sem passar, tudo muda sem mudar jamais. Que ser, homem, mulher, furacão, maremoto... pode arrancar-te de mim, pode arrancar-me de ti, pode arrancar-nos de nós, senão nós mesmos? E, efetivamente, nós o queremos?”

“Infinitos os verbos e os silêncios com que te despedes de mim; infinitos os modos com que te fazes lembrar por mim. Não cessam nunca e todos reafirmam minha presença em ti. Infinitas as vezes em que tento fechar de vez os ouvidos e o ser à tua voz e à tua presença. Sempre o mesmo esforço vão, inútil, a sempre inglória tentativa de partir, que para sempre permanecemos dentro um do outro, ignorando os adeuses de nossos passos e de nossas mãos. “

• Nota de 13 de março de 2011: A “realidade” das coisas afirmadas neste texto tão antigo, após muitas novas tormentas em mar alto e outros tantos terremotos em “terra firme” ao longo das décadas, tormentas e terremotos impossíveis de prever na ocasião da escrita deste texto, tal “realidade”, como eu dizia, mudou inteira, em tudo, e não mudou nunca, em nada, exatamente como o presente texto, de 1991, afirma em seu último parágrafo.

Publicação na manhã de 13 de março de 2011, em homenagem a um encontro iniciado ainda na noite de 13 de março e terminado na madrugada do 14º, o Dia da Poesia (saudação nacional ao poeta Castro Alves, na data de seu nascimento) dia cujo simbolismo iria determinar para sempre, sem que na época o pudéssemos supor, todos os nossos futuros destinos e trajetórias, a partir de meados daquele longínquo terceiro mês do ano de 1990.